Enquanto a crise corria solta por aqui, a viagem que o presidente Michel Temer fez à Rússia e à Noruega dá pistas importantes sobre a imagem do Brasil no exterior. O périplo internacional de Temer foi um festival interminável de gafes e constrangimentos.
Na verdade, pistas parecidas já haviam sido coletadas na primeira vez que Temer arriscou tocar os solos estrangeiros, ainda no ano passado, quando resolveu ir à China participar da reunião do G-20. Na ocasião, Temer viu-se oficialmente tratado apenas como mero “líder brasileiro” (brazilian leader) e não como presidente. Para não haver dúvidas de que era um tratamento diferenciado, na lista oficial seu nome aparecia entre os nomes de Mauricio Macri, da Argentina, e François Hollande, da França, ambos tratados na relação como presidentes. Pode-se argumentar que, na ocasião, ainda não tinha ocorrido o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Ela estava somente afastada do exercício da Presidência. As autoridades chinesas talvez considerassem que, diante do fato de a Presidência de Temer então ser somente provisória, talvez fosse mais prudente chamá-lo apenas de líder brasileiro.
Mas agora Temer é constitucionalmente o presidente da República. E sua situação não pareceu ter melhorado muito. Pelo menos nos dois países da Europa que resolveu visitar. Principalmente na Noruega.
O primeiro mico se deu ainda antes do embarque, quando constava na sua agenda que Temer iria à República Socialista Federativa Soviética da Rússia. Esse era o nome da Rússia até 1991, quando fazia parte da União Soviética. Desde então, a Rússia não é mais “soviética”. Lá chegando, Temer foi recebido pelo adjunto do ministro das Relações Exteriores. Encontrou-se mais tarde com o presidente Vladimir Putin. Mas o principal acontecimento da viagem foi provavelmente ter recebido lá a notícia de que aqui a Comissão de Assuntos Econômicos tinha derrotado a reforma trabalhista.
Na Noruega, a coisa foi ainda pior. Temer foi recebido pelo chefe interino do cerimonial do governo. Na mesma noite, o ministro do Meio Ambiente da Noruega anunciou que o país cortaria pela metade a ajuda que dá ao Fundo da Amazônia porque o Brasil não cumpriu com sua parte no acordo e permitiu que aumentasse o desmatamento na floresta. Na coletiva de Temer, só havia um jornalista norueguês. No dia seguinte, ambientalistas protestaram contra o Brasil. A primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, mencionou em seu discurso a Operação Lava-Jato, que persegue Temer com as denúncias do irmão Friboi Joesley Batista. Disse ela que a investigação “preocupa” e que o Brasil precisa achar “uma solução para a corrupção”. E, no seu pronunciamento, Temer cometeu nova gafe: chamou o rei da Noruega, Harald V, de “rei da Suécia”.
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Certamente, esse rosário de constrangimentos diz alguma coisa sobre a forma como estamos sendo vistos naqueles países. Mesmo não sendo mais presidente provisório como era quando foi à China, a visita dá a sensação de que Temer segue visto pelos olhos internacionais como um presidente polêmico e pouco relevante. À frente de um país em crise, ele é hoje um presidente investigado, sobre quem a própria Polícia Federal diz enxergar evidências “com vigor” do cometimento de corrupção passiva. Líder principal de um partido com outros diversos caciques investigados e alguns presos, como Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves. Chefe do Executivo investigado de um país que tem também investigados os dois chefes do Poder Legislativo.
Tais notícias certamente chegam aos líderes dos países que Temer visita. E, talvez, não pareça a eles muito interessante estabelecer acordos e aproximação com alguém em tal situação. Quando o então presidente José Sarney amargava índices baixíssimos de popularidade, o então senador Fernando Henrique Cardoso costumava brincar com a seguinte frase quando ele ia ao exterior: “A crise viajou”. Pois é…