Tribunal de Contas ou faz de contas…

Tribunais de Contas devem fiscalizar os dinheiros públicos. Mas como fiscalizar se parte expressiva de seus integrantes advém de nomeação política?

Pra que serve o TCU e seus congêneres estaduais? - Marcos Oliveira / Agência Senado

Tratei em artigo anterior (09/05/2023), sobre a EVOLUÇÃO DAS NOSSAS CONSTITUIÇÕES, para demonstrar como vem ocorrendo na área do Legislativo o crescimento astronômico do número de funcionalismo público no Legislativo. Atualmente, diz a constituição que a tarefa do legislativo de fiscalizar obedece ao

Art. 70 – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I – um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;

Crepúsculo no Congresso Nacional

II – Dois terços pelo Congresso Nacional.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

Mas na prática como funcionam os nossos TCs?

Basta colhermos algumas notícias da nossa imprensa para vermos que realmente estamos num país do faz de conta, porquanto, das mais de duas centenas de conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados, 30% deles são parentes de políticos numa explícita inconstitucionalidade já proclamada pela Súmula 13 do STF:   

“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

Os tais “conselheiros” tem garantia de estabilidade até atingir a idade compulsória de aposentadoria, que é de 75 anos, além de receber um salário de R$ 41,8 mil e ter o privilégio do foro privilegiado – e isso não é de hoje. Muitos já conseguiram façanhas de aposentarem-se com 45, 50 anos, contando mais de 30/35 anos de serviços.

Casal Rejane Dias, a esposa indicada, e Wellington Dias, ex-governador, ex-deputado, senador, ministro e… marido da indicada – Foto: reprodução / redes sociais

Apenas os casos atuais e mais notórios como de Rejane Dias, esposa de Wellington Dias (PT), atual ministro do Desenvolvimento Social, que governou o Piauí até março de 2022. De Renata Calheiros, esposa do Ministro dos Transportes Renan Filho, e Marília Góes, TC do Amapá, esposa do ministro do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, quando seu marido ainda governava o Estado. Na Bahia, a enfermeira Aline Peixoto, esposa do Ministro Rui Costa (PT), da Casa Civil, será a quarta esposa de ex-governadores, que com a última decisão do SUPREMO, também voltarão a receber suas polpudas aposentadorias, sem nunca terem contribuído para isso.

Por outro lado, estudos revelam que em torno de 80% dos “conselheiros” dos tribunais faz de contas, são de ex-deputados ou fruto do nepotismo dos donos do poder.

Tribunal de Contas da União, em Brasília. Que contas seus integrantes fiscalizam?

Mais que evidente que este faz de conta se deve ao nosso anacrônico sistema presidencialista em que a prática do toma lá dá cá é a mecânica que usa o poder em benefício dos próprios governantes, como está acontecendo com a liberação das emendas do orçamento secreto para os cupinchas do presidente.

Mesmo assim, podemos retirar exemplo ao contrário, dentro dos próprios TCs, para confrontar as consequências danosas, ilegais e imorais destas nomeações que permitem aos “conselheiros” manterem familiares se reelegendo como uma verdadeira máquina eleitoral em cima dos prefeitos ou gestores, para apoiarem os parentes privilegiados.

Refiro-me aos corpos técnicos dos Tribunais que são admitidos por concurso público, art. 37, II da CF, e estes, com a imprescindível  i s e n ç ã o  p o l í t i c a, cumprem seu produtivo trabalho não apenas na justa apreciação das contas da entidades públicas, mas ainda estudam e propõem soluções técnicas como esta que trago a colação do ESTUDO DE VIABILIDADE MUNICIPAL, dos técnicos do TC-PR, que podemos destacar:

A atual constituição, de 1988, é a sétima na história do Brasil

“5 – Embora a Constituição Federativa de 1988 tenha conferido patamar constitucional aos Municípios, não definiu requisitos mínimos de viabilidade municipal. Neste sentido, foi estabelecida sua estrutura, entretanto não se pensou, em princípio, quais unidades teriam condições de se autossustentar e, por consequência, formar uma estrutura apta à prestação dos serviços públicos de sua competência”.

“6 – Na atual conjuntura não se deve criar mais problemas, mas sim soluções aos anseios da sociedade, a qual espera prestação de serviços públicos de qualidade… Aos novos municípios deve-se exigir critérios rígidos e eficazes, capazes de propiciar sustentabilidade econômico-financeira, político-administrativa e socioambiental” (Autores do Estudo Andre Luiz Fernandes (coordenador) Denilson Aldino Beal, Julio José Pepicelli Jr e Luciene Fernandes Silva) ).

IBGE, responsável por montar o perfil dos brasilianos – Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

O estudo comprova um dado que serve não apenas para a realidade paranaense, que aumentou em 400% o número de seus municípios – de 80 em 1950, para 399 em 2000 -, mas para todo o Brasil para chegarmos aos 5.540 municípios.

O censo do IBGE, a ser publicado no próximo mês de julho, vai mostrar que a população dos pequenos municípios está diminuindo ainda mais e, com isso, também a queda na qualidade dos seus serviços públicos. No governo anterior, em 2019, uma proposta do Pacto Federativo foi enviada ao Parlamento para a extinção de 1.254 municípios que tinham população menor que cinco mil habitantes.

Mas jamais deputados e senadores diminuirão o número de mais de 10.000 vereadores que funcionam com seus cabos eleitorais.

Pelo contrário, como ocorre agora mais uma imoral anistia da caixa preta do famoso Fundo Eleitoral, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/23, que proíbe a aplicação de sanções a partidos políticos que não cumpriram cotas de sexo ou raça nas últimas eleições.

Com os últimos e atuais acontecimentos que comprovam estar sendo diuturnamente desrespeitada a Constituição e sistematicamente retalhada com novas emendas só aumenta a desarmonia entre os poderes e a insegurança jurídica, vale dizer não evoluímos na democracia por que o povo não tem meios de efetivamente participar da vida nacional.

Tenho a certeza de que teremos uma nova constituição e que, pela primeira vez na nossa história, ela virá de uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA, para corrigir os graves defeitos e abusos deste sistema insustentável de governo. Está aí o Chile provando que apenas homens e mulheres do povo com mandato exclusivo para escreverem a constituição representa a forma lógica, inteligente e democrática participação popular e, principalmente, impor deveres e responsabilidades aos governantes.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988. É defensor de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva (nilsoromeu@sguarezi.com.br) 

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