Logo depois de ouvir o áudio da sua conversa com o dono da JBS, Joesley Batista, o presidente Michel Temer comentou, comemorando com seus interlocutores: “A montanha pariu um rato”. Bem, sobre tudo o que se refere desde o início à Operação Lava-Jato e suas correlatas, a recomendação é sempre máxima prudência quanto a considerações definitivas. De fato, o áudio não autoriza inteiramente a versão divulgada antes de que se tratou de uma conversa na qual Temer deu aval para o irmão Friboi comprasse os silêncios do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador do PMDB Lúcio Funaro. Mas também não elimina tal versão inteiramente. E, se deixa tal hipótese no ar, as conversas gravadas trazem ainda uma série de outros trechos complicados e comprometedores para o presidente. Ou seja: até pode ser um rato. Mas o rato parido ruge.
Primeiro, as conversas deixam claro que Joesley entrou no Palácio do Jaburu usando um codinome, Rodrigo, que lhe garantia acesso livre sem qualquer identificação. “Rodrigo, se identifica lá”, lhe diz o presidente. “Eu passei a placa do carro e fui chegando e eles abriram. Nem dei meu nome. Viram a placa do carro, entrei. Funcionou superbem”, responde um pouco depois Joesley. Já temos aí um problema: o dono da holding campeã em doações eleitorais entra na residência oficial do presidente da República (na época, Temer já era presidente, mas ainda morava no Jaburu) sem se identificar, com um nome falso. Ou seja: ele chegava para uma conversa que não deveria ficar registrada.
E se não é exatamente claro se trataram ou não do pagamento de uma mesada pelo silêncio de Cunha e Funaro, também não é algo que possa ser eliminado de pronto. Joesley primeiro pergunta a Temer como é que está a situação dele “com o Eduardo”. E Temer responde: “O Eduardo tentou me fustigar”. Então Joesley diz que “dentro do possível”, fez “o máximo que deu ali”, que zerou “o máximo de pendência daqui pra ali”. Fala, então, no “outro menino”. E é Temer quem dá o nome do “outro menino”: “Lúcio”. Um pouco adiante, Joesley fala: “Estou de bem com o Eduardo”. E é quando Temer responde: “Tem que manter isso, viu?”.
O problema é que um pouco mais adiante, Temer volta ao assunto com a seguinte frase: “Está segurando os dois?”. E Joesley: “Tô”. E Temer: “Ótimo, ótimo”. E vem na sequência um trecho bastante comprometedor, no qual Joesley lhe conta que teria um procurador da Lava-Jato, lhe passando informação. Ou seja: Temer soube, e nada fez, que um procurador da força-tarefa da Lava-Jato passava informações para um dos investigados. A troco de dinheiro, R$ 50 mil por mês, conforme outro trecho da conversa. “50 mil por mês do rapaz, pra ele me dar informação, ao menos me dar informação”. E é logo em seguida que Joesley pede a Temer para indicar alguém para intermediar alguma coisa. E Temer responde: “É o Rodrigo”. O Rodrigo certamente é o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), flagrado com uma mala de dinheiro rastreado.
Há ainda trechos em que o dono de uma das maiores holdings do país demonstra poder para trocar o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é justamente o órgão que controla o funcionamento de holdings como as de Joesley Batista. Está longe, bem longe, portanto, de se tratar de uma conversa republicana, como se espera de um empresário e um chefe de Estado, seja pelo ambiente, pelas circunstâncias, seja pelo que foi tratado.
O conjunto de provas do qual os áudios fazem parte foram suficientes para que o procurador-geral da República entendesse haver indícios contra Temer dos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. E o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, relator no STF da Lava-Jato, concordou com ele, autorizando a abertura da investigação contra o presidente. Presidente que também responderá nos próximos dias ao processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode cassar ou não a chapa que ele formou com Dilma Rousseff nas últimas eleições presidenciais.
A essa altura, Temer não vive situação muito mais tranquila que a enfrentada por Dilma Rousseff antes da confirmação do seu impeachment. Um país em crise política. Que dava os primeiros passos para sair de uma crise econômica para o qual pode agora voltar. Um governo com baixos índices de popularidade. Resta a Temer um talento bem maior que o de Dilma para o trato da política congressual, para que não perca a sustentação parlamentar que ainda tem. Mesmo aí, porém, já está combalido. O PSDB, também moído pela Lava-Jato – especialmente Aécio Neves, completamente triturado pelo homem da Friboi – avalia o que lhe será mais conveniente: sair ou ficar no governo. O maior prócer tucano, Fernando Henrique Cardoso, já pregou abertamente a renúncia de Temer. Embora menor, o PPS de Roberto Freire já deixou o governo. E no DEM há aqueles, como o senador Ronaldo Caiado (GO), que também já se manifestam pela saída de Temer. O presidente precisa urgente encontrar um domador para o seu rato…