Quando terminou o bipartidarismo, na derrocada da ditadura militar e nos nossos primeiros dias de retomada da democratização, a primeira leva do multipartidarismo que surgiu parecia apontar para um leque amplo e completo de opções ideológicas. O PDS representava a direita de orientação militar, ultranacionalista, protecionista, estatal. O PFL agregava-se a um conceito mais moderno de direita, ligada ao liberalismo econômico, à livre iniciativa, ao Estado mínimo. O PP era o centro conservador, de perfil democrático. O PMDB alternativa de centro um pouco mais à esquerda, herdeiro do PSD anterior à ditadura, coligação de caciques regionais. O PTB a opção trabalhista de direita, de sindicatos ligados ao poder. O PDT a opção trabalhista tradicional de esquerda brasileira, na linha getulista. O PT uma opção trabalhista mais moderna, ligada aos grupos da sociedade organizada que começavam a ganhar relevância: trabalhadores do campo, movimento sem terra, igreja progressista, etc. E os partidos comunistas tradicionais de esquerda, o PCB seguindo a linha soviética e o PCdoB a linha stalinista.
Ao longo do tempo, os namoros com o poder foram desfigurando esses partidos. Inchados com adesões que não representavam suas convicções iniciais. Ou com concessões de conveniência para galgar espaços e vencer eleições. Os partidos comunistas extintos ou readaptados com o fim da Guerra Fria. Os partidos trabalhistas atordoados em alguns momentos com as mudanças nos modelos de relações de trabalho surgidos com a revolução tecnológica.
Nesse passeio, caminhou muito o hoje DEM. No fim da ditadura, a dissidência que criou o PFL foi fundamental para que Tancredo Neves vencesse de Paulo Maluf a eleição indireta no Colégio Eleitoral. O partido começava assim como “Frente”, num cálculo político que constatava a ruína absoluta do regime militar. Seguiram meio como o Leopardo de Lampedusa: “Para que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude”.
De qualquer modo, incorporava ideias do liberalismo que não estavam nos conceitos do velho PDS. Um pouco mais adiante, num projeto que foi batizado de PFL 2000, a ideia era aprofundar e conceituar melhor esses preceitos, para de fato virar o representante do Estado mínimo, da livre concorrência, etc.
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Aí, o PT vence as eleições e se torna o partido com maior tempo no poder. E o PFL resolve, então, mudar de nome e virar DEM. Deixava de ser “Frente”, mas também deixava, na nomenclatura, de ser “liberal”. Virava algo que, em tese, qualquer um dos partidos do nosso espectro pretende ser também: “Democrata”. Pelo menos de forma declarada, não parece haver algum partido no país que almeje chegar ao poder se não pela via democrática. No longo período em que o PT permaneceu no poder, o ex-PFL, talvez descaracterizado pela nova sigla, perdeu filiados e tamanho e chegou mesmo a discutir em determinado momento fusões e reinvenções. Na oposição ao PT, empurrou-se ainda mais para a direita.
Na confusão pós-impeachment de Dilma Rousseff, o DEM outra vez calcula reinventar-se. Com Rodrigo Maia (RJ) na presidência da Câmara, o partido agora discute uma nova mudança que outra vez parece mais baseada no cálculo político do que propriamente em convicção ideológica. O partido quer caminhar para o centro.
Parte o DEM do princípio de que não há vácuo na política. E que o atual maniqueísmo da disputa vem deixando o centro desocupado. Depois do impeachment de Dilma e diante das acusações feitas ao ex-presidente Lula – provável candidato em 2018 –, o PT vai aprofundando o discurso de que foi vítima das elites num processo de golpe parlamentar para destituí-lo do poder e agora para evitar uma nova eleição de Lula.
Ou seja, o Lula que deverá vir em 2018 é alguém provavelmente bem mais agressivo que o “Lulinha Paz e Amor” de 2002. Alguém que fará um discurso de retomada das conquistas sociais que teriam sido interrompidas com a ascensão de Michel Temer. Um PT menos disposto a concessões mais conservadoras, sem José Alencar, sem Carta aos Brasileiros.
Em contrapartida, há o discurso na linha Jair Bolsonaro de ultradireita, que ganhou força não apenas no Brasil, mas no mundo. Está aí Donald Trump eleito nos Estados Unidos e grupos de nazistas, racistas e fascistas desfilando orgulhosos por lá sua boçalidade. Se não de ultradireita, um espaço para a direita, para a vitória de uma visão mais conservadora de mundo.
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Imagina quem professa essa caminhada do DEM para o centro que a maior parte da torcida que acompanha nosso campeonato político não está com nenhum desses dois times nesse FlaXFlu. Assim, diante de um cenário de polarização nesses termos, pode emergir uma visão menos encarniçada, menos radical. Uma visão de centro. Como aconteceu na França com Emmanuel Macron.
Em tese, tudo parece fazer sentido no raciocínio do DEM. O primeiro problema, porém, decorre do que já se comentou aí acima: é mais cálculo político que convicção. Daí, pode decorrer o segundo problema: o eleitorado, então, enxergará no DEM tal opção de centro? Enxergará com quem? O DEM não parece ter um candidato bem posto no imaginário do eleitor para essa disputa. Rodrigo Maia? Ronaldo Caiado (mas esse é visto na verdade como alguém de direita)?
Ao que tudo indica, a eleição de 2018 deverá ser Lula contra alguém. A não ser que Lula venha a ser condenado antes e não possa disputar. Quem será esse alguém e de onde essa alguém virá, continua a ser hoje uma total aposta no escuro…