Arlindo Menoncin começou a produzir, há alguns anos, vinhos em pequenas tiragens, para beber com a família e os amigos. “Uma brincadeira”, dizia ele. Enólogo formado pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves, sua cidade natal, desde 2013 ele responde pela produção dos vinhos da vinícola catarinense Hiragami, de São Joaquim. Faz um bom trabalho ali.
Inquieto, ele decidiu buscar uvas em diferentes regiões do Rio Grande do Sul para produzir “sua brincadeira”. Os amigos e a família gostaram. E gostaram tanto que o incentivaram a produzir comercialmente os vinhos. Assim, em 2017 Menoncin elaborou 287 garrafas de um Chardonnay e outras 985 garrafas de um Cabernet Sauvignon. Vinhos que poderiam ser chamados “de garagem” ou “de autor”, por serem produzidos em pequenas parcelas.
Engarrafados, era necessário um nome para os vinhos. Arlindo Menoncin precisava achar um nome que não fosse apenas uma marca, mas sintetizasse um conceito, a filosofia de seu trabalho. Um trabalho que consistia em buscar, em vinhedos de terceiros, os frutos que poderiam gerar suas pequenas joias, rótulos trabalhados com capricho de ourivesaria. Certa noite, assistindo a um programa na TV sobre animais, o nome surgiu para o enólogo como mágica: Cão Perdigueiro.
“Eu preciso caçar a uva. Buscar e colher o que tem de melhor no vinhedo”, diz Menoncin. Literalmente, um trabalho de “farejador”. O enólogo não tem um vinhedo, nem uma vinícola. Ele vinifica uvas de parceiros numa cantina “emprestada”, em Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Se as uvas são de longe, procura vinificar os frutos na origem ou numa vinícola próxima. “Não dá para distanciar muito a uva da origem”, comenta.
O profissional
Além de enólogo, Arlindo Menoncin é sommelier formado pela Federazione Italiana Sommelier Albergatori Ristoratori (Fisar). Trabalhou na função por alguns anos, numa conceituada loja de vinhos gaúcha. Participou também de um projeto para o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Foi ainda sócio numa loja de vinhos, cuja parte vendeu em 2019. O objetivo da venda: mergulhar fundo no projeto Cão Perdigueiro.
O projeto
“Minha ideia é fazer vinhos no Brasil inteiro. Estou vendo para fazer rótulos em São Paulo, Sul de Minas, Nordeste e Campanha Gaúcha”, afirma Menoncin. Ele quer vinificar as uvas na origem ou próximo dela.
O conceito é de vinhos de garagem. O termo “vinho de garagem” remete a rótulos feitos em pequenas parcelas, por produtores com estilo próprio. O termo nasceu na década de 1990, na cidade francesa de Saint-Émilion, em Bordeaux, na França.
O ex-DJ Jean-Luc Thunevin comprou uma pequena propriedade de 0,6 hectares na região. E fez seus primeiros vinhos em uma antiga garagem. Vinhos macios, diferentes dos tradicionais bordeaux. O então poderoso crítico americano Robert Parker provou e aprovou os vinhos. Nascia aí o termo “vinho de garagem”, para se referir a vinhos de autor.
Apesar de se enquadrar no perfil de vinhos de garagem, pode-se dizer que, pela logística, Menconcin tem um conceito de vinhos andantes. Um enólogo nômade, fazendo vinhos em diferentes terroirs e lugares. “É o cachorro ambulante, buscando as uvas”, comenta.
O cão perdigueiro está desenhado em todos os rótulos dos vinhos. Os desenhos não são iguais, cada um dos rótulos foi feito por artistas diferentes. “Já tem artista me procurando para desenhar novos rótulos”, conta Menoncin. Etiquetas leves, alegres. Um conceito parecido com o do Premier Grand Cru (o topo dos vinhos franceses) Château Mouton Rothschild, que desde 1945 tem um rótulo diferente em cada safra. No caso do grande vinho francês, algumas etiquetas foram desenhadas por artistas famosos, pintores com Miró e Picasso.
Os vinhos
Os primeiros vinhos Cão Perdigueiro foram o Chardonnay e Cabernet Sauvignon 2017. Em 2018 foi apresentado ao mercado o Peverella, uva pouco vinificada no Brasil, citada como a primeira variedade italiana branca a chegar ao país. Em 2019 vieram uma nova safra do Peverella e o Trebbiano. Arlindo Menoncin elaborou também um Moscato Giallo e um espumante de Sauvignon Blanc com uma única fermentação na garrafa, sem degórgement (não filtrado).
“Nossas produções são pequenas, em média, entre 300 e 600 garrafas de cada vinho. Sempre com uvas de regiões diferentes”, comenta Menoncin. Neste momento, ele faz ensaios e planeja produzir vinhos com uvas híbridas, frutos que resultam do cruzamento de variedades viníferas com americanas. Entre elas, estão a tinta Herbemont, chamada de Borgonha em Garibaldi, e a Isabel, com a qual deseja fazer um vinho e um espumante, ambos rosados. “Se bem vinificadas, dá para fazer vinhos interessantes com as híbridas”, comenta o enólogo, que também cita os espumantes da uva Goethe, de Urussanga, no sul de Santa Catarina.
Até agora foram lançados oito rótulos Cão Perdigueiro, mais uma grappa, esta última, aguardente feita com o bagaço da uva. Muitos vinhos estão praticamente esgotados. Novos rótulos estão a caminho e não necessariamente os já produzidos. Há coisas novas por vir. Pode-se dizer, então, que aquilo que começou como uma “brincadeira” virou coisa séria.
Provei um Merlot Nouveau elaborado por Arlindo Menoncin na vinícola Rigon, em Farroupilha, com uvas de Campo de Cima de Serra. Veja as notas de prova.
Cão Perdigueiro Merlot Nouveau 2019 – Campos de Cima da Serra (RS)
100% Merlot. Maceração de contato do mosto com as cascas de apenas 30 horas. Fermentação em baixa temperatura. 453 garrafas produzidas. Cor rubi clara. Nariz rico em aromas de frutas vermelhas frescas, notas florais e sutil de toque especiarias. Fresco, leve e muito frutado no paladar.