Alguém que se dê ao esforço de comparar o texto original da octogenária Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada por decreto-lei, com a versão 2023, por certo se surpreenderá com a número de alterações introduzidas desde 1946.
Além de milhares de mudanças pontuais, em um ou vários artigos, poucas foram de maior profundidade, aprovadas como esforço de modernização. Duas delas são excelentes exemplos: a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, pela Lei nº 5.107, de 1966, e a Reforma Trabalhista, produto da Lei nº 13.407, de 2017. O artigo 7º da Constituição de 1988 acrescentou direitos, cuja alteração ou eliminação depende de emenda aprovada segundo as rígidas exigências do artigo 60.
Conheço duas tentativas de revogação da CLT, para substitui-la por texto aprovado pelo Poder Legislativo. A primeira em 1963, no governo do presidente João Goulart; a segunda em 1979, no governo do presidente João Figueiredo. Ambas fracassaram. Em seu primeiro mandato, o presidente Lula criou o Fórum Nacional do Trabalho, com ambiciosos objetivos reformistas. Na esteira das iniciativas anteriores, a proposta de Emenda Constitucional e o projeto de Relações Sindicais não vingaram, caindo em merecido esquecimento.
O ilustre ministro do Trabalho e Emprego, Luís Marinho, tem declarado que está empenhado em patrocinar uma espécie de contrarreforma trabalhista. Segundo informações divulgadas pela imprensa, teria como alvos preferenciais o trabalho intermitente, a questão do financiamento das entidades sindicais, e a terceirização da atividade-fim, na opinião de S. Exa. responsável por trabalho análogo ao escravo.
A questão do trabalho intermitente, denominação jurídica do velho bico, parece-me irrelevante. O problema das entidades sindicais não se reduz à questão do financiamento. De uma vez por todas, cabe ao Ministério do Trabalho reconhecer que pertencem à esfera das pessoas jurídicas de direito privado, como as centrais sindicais. Segundo o Código Civil, as pessoas jurídicas são de direito público (Art. 41) ou de direito privado (Art. 44). Sindicatos nunca foram autarquias e não são criados por lei.
Por serem pessoas jurídicas de direito privado, deve-se dar solução juridicamente correta aos problemas de financiamento e registro, exigido pelo Art. 8º, I. Erro crasso de interpretação, cometido pelo C. Supremo Tribunal Federal, determinou que a entidade sindical, pessoa jurídica de direito privado, seja registrada no Ministério do Trabalho, onde o assunto é tratado pelo ângulo político, conforme a posição partidária do titular da Pasta. Como pessoa jurídica de direito privado, o correto é ser feito no cartório competente, como determina o Art. 48 do Código Civil, para as associações de maneira geral.
A terceirização, ou produção compartilhada, se expandiu com a vinda ao Brasil das primeiras indústrias automotivas, trazendo novas técnicas de gestão. A produção concentrada, ou verticalizada, adotada em antigos engenhos de açúcar e indústrias familiares, como a S.A.I.R .Fábricas Matarazzo, passou a ceder lugar à divisão de tarefas de acordo com a especialização. As primeiras empresas prestadoras de serviços especializaram-se em representação comercial, fornecimento de alimentação, limpeza, conservação, remoção de entulhos, e vigilância.
A reação inicial à terceirização se deu com a aprovação da Súmula nº 256 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), revogada pela Súmula nº 331. Intransponíveis problemas com a definição de atividade fim e o avanço da terceirização – vocábulo incorporado ao vernáculo pelo Dicionário Houaiss, em 1991 – obrigaram o legislador a se curvar à realidade, o que foi feito na Reforma Trabalhista.
O ministro Luís Marinho, pessoa a quem conheço e admiro, vai na contramão da história e do programa de revitalização da indústria automotiva, vítima de erros que lhe reduziram a presença e o prestígio nos mercados interno e internacional.
O presidente Lula, como antigo sindicalista, deve admitir que o movimento sindical está decadente e necessita de renovação. Para consegui-lo, deve se libertar das amarras com o Ministério do Trabalho. Afinal, no terreno da economia, ao qual pertencem as relações de trabalho, não se avança engatando a marcha a ré.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho