“Os dois lados da mesma moeda”. Quantas vezes, de forma corriqueira, ao longo de nossas existências, ouvimos essa expressão? E nem nos atentamos para o seu sentido ou, eventualmente, sua relevância.
Dois termos que viraram figurinhas carimbadas nos noticiários − Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) −, por exemplo, são dois lados de uma mesma moeda. Quem muito salientava essa peculiaridade de ambos os institutos jurídicos era o Ministro Sepúlveda Pertence.
Provocado por uma ADC (no caso, por três ADCs), o STF declarou, há pouco, a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.403, de 2011. Qualquer alteração desse dispositivo, no sentido de se afirmar a possibilidade de execução de sentença criminal condenatória, após apreciação de recurso, em segunda instância, levará, forçosamente, a que, proposta uma ADI, a Suprema Corte venha aferir se a nova redação é compatível ou não com o mandamento constitucional, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Será a mesma ladainha em torno da cláusula pétrea, constante do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Mantida a atual composição do tribunal, o resultado é previsível: será declarada a inconstitucionalidade da nova redação. Mas não seria melhor poupar o tempo daquele colegiado, já por demais assoberbado, do que fustigá-lo?
Por isso mesmo, Rodrigo Maia, certamente alertado por bons juristas, já disse que o caminho sugerido pelo Senado Federal pode não dar em nada. E, realmente, o problema da celeridade da prestação jurisdicional é muito mais amplo do que imaginam os açodados milicianos digitais e seus ilustres representantes parlamentares.
Na verdade, o Congresso Nacional deveria se debruçar sobre a seguinte questão de fundo. O que deve ser feito para que se torne uma realidade a promessa constitucional, que nos foi apresentada com a Reforma do Judiciário, de 2004: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII, CF)?
Isso precisa ser pensado para a defesa de todo e qualquer direito. E em todo o itinerário de um processo, todas as etapas, todos os procedimentos. Já tive oportunidade de, neste sítio, dizer que a legislação processual faz com que seja muito mais demorado o momento de perda da propriedade do que o da perda da liberdade, em que pese se bradar que este direito se sobrepõe àquele.
Portanto, não se trata, apenas, de estudar como aumentar a velocidade do encarceramento de delinquentes. Já somos a terceira maior população carcerária do mundo (com quarenta por cento dos presos recolhidos provisoriamente), tendencialmente crescente, e nem por isso a delinquência entre nós arrefece. Somos useiros e vezeiros em tomar os sintomas como causas de uma doença.
Dada a forte influência entre nós, nos dias de hoje, do direito norte-americano, talvez se ponha na roda, para que tenhamos processos mais expeditos, a ideia de uma reengenharia institucional em que poderíamos ter, ordinariamente, apenas o duplo grau de jurisdição, na justiça estadual, na justiça federal e, se for o caso, nos ramos especializados (trabalhista, eleitoral e militar). Mas mesmo entre os norte-americanos os gargalos da dicção do direito, pelos juízes, existem e vão se avolumando, como vem alertando, há anos, o ilustre constitucionalista Lawrence Tribe.
O que, de forma alguma, me parece razoável seria suprimir a possibilidade do Supremo Tribunal Federal, pela via de recurso extraordinário, examinar casos, nos quais haveria a necessidade de se firmar o primado de normas constitucionais e o de se fixar a regra adequada de interpretação vinculante do direito federal. Para que essa prerrogativa não congestione a Suprema Corte, já há uma filtragem: a chamada demonstração, pelo recorrente, da “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”, que nos remete à arguição de relevância, adotada pelo “pacote de abril de 1977” (a famosa Reforma do Judiciário, editada autocraticamente pelo Presidente Ernesto Geisel), ou, na origem, ao writ of certiorari da Suprema Corte dos EUA.
Discutir essa temática pela via de emenda à Constituição me parece mais adequado. Mas dadas a magnitude e a complexidade do tema, não se pode estabelecer um fast track no calendário de debates, como insistem alguns senadores.
E é preciso focar no que é central: a garantia de celeridade para todo e qualquer processo, e não apenas para os ritos de apuração de materialidade e imputação de responsabilidades criminais. Estamos diante daquela típica situação em que a cautela, tal como a canja de galinha, não fará mal a ninguém.
* Thales Chagas M. Coelho é advogado e mestre em Direito Constitucional pela UFMG