A proclamação da República foi um golpe de estado preventivo para impedir que a princesa Isabel e seus abolicionistas, com grande apoio popular, principalmente da população de cor (pretos e mulatos – os trabalhadores brancos, europeus, ainda não participavam da vida politica), assumissem o comando político do país e implantassem seu projeto de inclusão dos antigos escravos na economia da região Sudeste. Esta é uma versão pouco divulgada para a urgência de derrubar Dom Pedro II.
A campanha abolicionista, iniciada em 1870, liderada e organizada pela princesa Isabel, integrada por um grupo de intelectuais, a maior parte mulatos, era uma ameaça ao sistema dos barões do café, como se chamavam os grandes produtores de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.
Embora fossem cognominados de barões, a maior parte desses mega-produtores integrava o Partido Republicano e se preparavam para derrubar o império quando chegasse o final do reinado do Imperador (a morte do rei). Entretanto, fatos inesperados obrigaram-nos a pedir o apoio dos militares, que acabaram deflagrando o golpe de estado antes que a princesa, e seu grupo, chegassem ao trono.
O dia 15 de novembro já foi a data cívica mais importante do País, ao longo do de três quartas partes do Século XX. Hoje em dia, abalada pela ideologia de desqualificação da História do Brasil, a proclamação da República é uma narrativa que está sendo reduzida para a mediocridade de uma simplória quartelada militar, um golpe de estado que usurpou o poder.
E aí vem a pergunta: usurpou de quem? É embaraçoso, pois nada mais politicamente incorreto do que defender a monarquia. Então qual o problema? O que fatos tão graves aconteceram naqueles dias de novembro de 1889, que acabaram com 74 anos de um regime que vinha desde o início do Século XIX, começando no Brasil Reino em dezembro de 1815? E continuou no Império do Brasil a partir de 1822?
Esse sistema teve uma rainha (D. Maria I, de 1815 a 1816) e três reis, D. João VI (1816/22), D. Pedro I (1822 a 1831 e D. Pedro II (1831 a 1889, sete anos como infante. Regime muito estável aquele, nove anos com um imperador menino e nunca foi derrubado)). Entretanto, lá na frente caiu como um castelo de cartas? O que houve?
O que precipitou o golpe militar? Eis a questão. Então vamos ao fato que precipitou esse e outros acontecimentos que terminaram por provocar o golpe de estado que derrubou a monarquia constitucional.
Em setembro de 1889, dois meses antes do golpe, portanto, o imperador Pedro II informou a amigos que no dia de seu aniversário, 2 de dezembro, abdicaria ao trono e passaria a coroa para sua filha Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga, a popular Princesa Isabel.
Quando o murmúrio da ascensão da princesa chegou aos detentores do poder econômico, acenderam-se todas as luzes vermelhas, algo como a reação dos ministros militares quando Jânio Quadros renunciou, 70 anos depois, e o sistema se viu diante do retorno da ala esquerda do varguismo com João Goulart, em 1961. Aos olhos dos plutocratas do sudeste, a princesa Isabel era uma ameaça (que nem Jango muito depois) a seus planos de controlar o país pelo sistema republicano. No final conseguiram implantar a República do Café com Leite, que durou quase 40 anos.
Embora a coroa não comandasse o executivo, o soberano era muito influente. No caso da princesa, seria um perigo, pois levaria com ela figuras consideradas perigosíssimas por suas ideias de inclusão dos ex-escravos, como Joaquim Nabuco, André Rebouças, Aristides Lobo, Francisco Paula Brito, José do Patrocínio, Francisco José do Nascimento (o famoso Dragão do Mar) e Rui Barbosa (que aderiu à república) e muitos outros que permaneceram fiéis à Isabel (não à monarquia, como se propala).
Os abolicionistas tinham pronto um projeto de absorção dos ex-escravos que preconizava a distribuição de terras para os cativos lotados na agricultura e um esquema de apoio para a autonomia dos escravos de ganho. A Caixa Econômica (hoje Federal) foi um banco criado, em 1860, para receber depósitos de escravos. Seria o banco para financiar a abolição.
Já os partidos republicanos não tinham, em seus programas, uma posição completa sobre a escravidão. Já os abolicionistas históricos seguidores da princesa preconizavam uma espécie de reforma agrária (não tinha este nome ainda). O tema era explosivo.
A Lei Áurea era incompleta. O projeto original dos abolicionistas era muito mais amplo. Quando o Congresso aprovou a lei, abolindo a escravidão, o grupo da princesa Isabel percebeu que era uma armadilha, e começaram uma mobilização. Um dos grupos mais ativos era a Guarda Negra, composta por ex-escravos que faziam manifestações nas ruas do Rio de Janeiro em apoio a Isabel e seus seguidores.
Era aos movimentos negros que os plutocratas temiam. Ante a iminência de a Princesa Isabel assumir o trono e desenvolver uma liderança populista com grande legitimidade assustou os republicanos, que, então apelaram para os jacobinos, como eram chamados os jovens republicanos radicais, originários das faculdades de São Paulo, Rio de Janeiro e das escolas militares das armas de Artilharia e Engenharia.
O Marechal Deodoro, originário do Partido Liberal, com programa republicano moderado, mas amigo e admirador de Pedro II, deu respaldo a que os positivistas de Benjamin Constant, um tenente-coronel, derrubassem o governo e o poder imperial. O primeiro presidente e seu vice saíram do Exército (Floriano Peixoto era da Artilharia), mas já em 1894, com Prudente de Morais, os plutocratas do café ocuparam a presidência, dividindo os sucessivos governos entre Minas Gerais e São Paulo.
E a princesa e seus apoiadores pretos e mulatos foram exilados em Paris e Lisboa.