A cada capítulo da interminável novela da crise brasileira, vai se tornando mais violenta a disputa entre o presidente Michel Temer e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A essa altura, Temer e Janot já não brigam sozinhos. Vão arregimentando cada um os seus exércitos. Enquanto isso, nós, brasileiros, seguimos sofrendo. É como se vivêssemos debaixo de um quadro de cerração absoluta, daquelas em que é impossível enxergar o que está a apenas alguns centímetros à frente. Longe de saber qual será o desfecho dessa crise, vamos ficando incapazes de perceber sequer quais serão os próximos passos.
No parecer que deu para manter a prisão do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, Janot deixa claro que vai pegar pesado na denúncia que fará contra o presidente da República. Deixa claro que o acusará do crime de corrupção passiva. Deixa claro que indicará que Loures era o seu homem da mala, a pessoa que, a mando de Temer, agia na negociação do pagamento de propina feito pelo dono da Friboi, Joesley Batista.
“Rodrigo Loures representa os interesses de Michel em todas as ocasiões em que esteve com representantes do Grupo J&F. Através dele, Temer operacionaliza o recebimento de vantagens indevidas em troca de favores com a coisa pública”, escreve Janot. “Note-se que, em vários momentos dos diálogos travados com Rodrigo Loures, este deixa clara sua relação com Michel Temer, a quem submete as demandas que lhe são feitas por Joesley Batista e Ricardo Saud (o outro delator ligado ao Grupo J&F), não havendo ressaibo de dúvida na autoria de Temer no crime de corrupção passiva”, conclui.
Da sua parte, Temer reage com a mesma intensidade. “Nada nos destruirá”, responde. “Não há plano B”, completa, no que parece uma resposta a apelos como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no sentido de que reflita sobre a crise e construa uma saída negociada para abreviar o seu mandato. Em outra ponta, insinua que Janot acena, diz a jornalista Andreia Sadi em seu em seu blog no G1, para uma negociação com os deputados para aceitar a denúncia contra Temer, quando propõe distinguir caixa dois dos crimes de corrupção. Para que o presidente venha a ser processado, a denúncia contra ele precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados.
Os exércitos de Temer e Janot já têm altos oficiais no Supremo Tribunal Federal. Gilmar Mendes, ao lado de Temer, condena os “abusos” do Ministério Público. Roberto Barroso alinha-se a Janot e diz que não há abuso, mas o Estado Democrático de Direito funcionando “contra uma república de bananas que sempre varreu a corrupção para baixo do tapete”.
A verdade é que vai ficando cada vez mais clara a inexistência de um acerto político para estancar no PT e na ex-presidente Dilma Rousseff a sangria da crise político. O tal acerto estava meio que consubstanciado naqueles famosos diálogos gravados entre o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Tira a Dilma, põe o Temer, e tudo se resolve, era o resumo da conversa. A partir do momento em que o próprio Sergio Machado procurou o Ministério Público e a Justiça para um acordo de delação premiada que incluía o tal diálogo, já ficava claro que o acerto não aconteceria. De lá para cá, isso só foi ganhando contornos mais evidentes.
O problema é que tal situação forma também uma zona de alto perigo. Ao contrário de crises do passado, nessa crise não há bombeiro nem solução aparente. Ela tem como centro a forma como se relacionam financiadores e financiados na política brasileira, em todos os partidos. Assim, há culpados em todas as legendas e interesses contrariados em todas elas. Acirrar os enfrentamentos, como fazem Temer e Janot, não ajudará a arrefecer a crise. Mas não há qualquer sinal de que acontecerá algo diferente. Só nos restará assistir e esperar por quem piscará primeiro.