Qualquer avaliação sobre se foi alta, baixa ou média a adesão à greve geral proposta pelas centrais sindicais vai somente gerar mais uma inútil, improdutiva, guerra de torcidas. Vivemos um tempo em que cada um só consegue enxergar as coisas pelas suas lentes preferenciais. O que não ajuda muito. Por mais que estejamos cada vez mais enfiados nele, o mundo virtual não é o mundo real. E não é no mundo virtual que a vida de fato acontece. A greve houve. Com suas manifestações maiores ou menores dependendo de cada categoria e de cada localidade. Se o protesto teve ou não capacidade para evitar ou modificar as reformas que o governo Michel Temer está propondo, os próximos dias é que dirão.
A observação fica aqui para o fato de a greve e as manifestações de protesto terem acontecido somente um dia depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter considerado que os servidores públicos podem receber vencimentos acima do teto salarial. Para o STF, seria possível ao servidor ultrapassar o teto em casos de acumulação de dois cargos públicos. Estamos falando aqui de permitir que as administrações públicas paguem mais de R$ 33,7 mil a servidores. Esse é o valor do teto, que equivale exatamente ao que se paga a um ministro do Supremo.
É meio fora de órbita que tal decisão ocorra somente um dia antes de trabalhadores – de novo, aqui não se discute se muitos, poucos, se com ou sem razão – irem às ruas protestar contra reformas que o governo propõe sob o argumento de que o país passa por uma crise econômica. A solução de tal crise, na argumentação do governo, passaria pela necessidade de flexibilização de pontos que provocam rigidez excessiva na legislação trabalhista e que hoje estariam, de novo na argumentação do governo, impedindo a criação de novos postos de trabalho. Essa a reforma trabalhista. E na necessidade de mudanças nas regras previdenciárias, porque hoje, argumenta o governo, a conta não fecha e tende a ficar cada vez mais difícil de fechar.
Há algo de perigosamente esquizofrênico na associação dos dois episódios. Um reflexo de certo clima de salve-se quem puder no país. Que já se refletia na pressão de certos grupos para conseguirem ficar fora das novas regras previdenciários que estão sendo propostas. Por um lado, há uma argumentação de necessidade de mudanças trabalhistas e previdenciárias porque o país vive uma crise, porque os governos estão sem caixa, porque não há oferta de emprego. Por outro lado, admite-se pagar perto R$ 40 mil ou mais a servidores no mesmo país a certos servidores públicos. Como, se o país vive uma crise, se os governos estão sem caixa, se não há oferta de emprego? Quem paga a conta dos supersalários?
É bom lembrar que boa parte dos beneficiários da decisão do STF está no próprio Judiciário e no Ministério Público. Há uma argumentação da parte dos ministros de que tais acumulações são permitidas e que, se são permitidas, não poderia haver “irredutibilidade do salário”. Mas o restante da população precisa aceitar que terá que pagar pela solução da crise. Eis o risco. O país passar a impressão de que virou a Nação do “ganha mais quem pode mais”…