No PT, o que acontece é debate interno ou autofagia?

Lindbergh Farias, senador do PT pelo Rio de Janeiro
Lindbergh Farias, senador do PT pelo Rio de Janeiro. Foto Orlando Brito

Se engana quem acha que a recente entrevista que o senador Humberto Costa (PT-PE) deu à revista Veja tenha sido um ato isolado, saído da sua cabeça. A entrevista foi um reflexo externo de um encarniçado debate interno que acontece no PT em torno do papel que o partido deve ter agora na oposição, das estratégias, das opções e do rumo que deve seguir.

Como contraponto da entrevista de Humberto à Veja, o senador Lindbergh Faria (PT-RJ) deu uma entrevista ao site Diário do Centro do Mundo. Humberto defende revisões de rumo, admissões de culpa, inserção maior nos diálogos da política e a construção de um novo discurso em um veículo da chamada “mídia tradicional”, que nos últimos anos teve claro posicionamento contrário aos governos petistas de Lula e Dilma. Lindbergh rebate o discurso de Humberto, o critica duramente, reforça a narrativa e o discurso do golpe contra o PT, do partido e de Dilma puramente como vítimas de um processo político espúrio em veículo da chamada “mídia progressista”. Escolhas nada gratuitas que estão combinadas às estratégias de cada um. Estratégias que estão longe de ser isoladas.

Todo esse debate terá ainda lances cada vez mais agressivos até a realização do 6º Congresso Nacional do PT, que acontecerá em junho. O que está em jogo é a futura sobrevivência eleitoral do partido e, principalmente, no caso individual de cada um, a sobrevivência eleitoral dos atores desse jogo.

No caso, Humberto e Lindbergh estão no centro desse drama. O PT tem agora dez senadores. Desses, apenas dois – Paulo Rocha (PT) e Fátima Bezerra (RN) – terão nas eleições de 2018 mais quatro anos de mandato (só para lembrar: os senadores são eleitos para mandatos de oito anos – em um eleição, o Senado renova dois terços da sua bancada; quatro anos depois, renova um terço). Todos os demais terão de disputar uma nova eleição, para o Senado ou para algum outro cargo.


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As últimas eleições municipais mostraram o tamanho enorme do desgaste que o PT sofreu com todo o processo que culminou no impeachment de Dilma. E é em torno desse desgaste que se constroem essas estratégias. Se a situação vivida nas eleições municipais for semelhante em 2018, o PT vai minguar. Num mundo e num país onde crescem as correntes conservadoras, onde deve se encaixar o PT? Deve aprofundar e radicalizar suas posições originais de esquerda e tentar conservar-se em busca desse nicho de eleitorado? Mas já não há outros partidos assim? O PSol não saiu de dentro do próprio PT no início do governo Lula para se consolidar nesse nicho? E os demais partidos desde sempre mais à esquerda? Ou deve rever seu atual posicionamento, reassumindo o discurso mais amplo e pragmático que adotou nas eleições de 2002 para eleger Lula – o Lulinha Paz e Amor da Carta ao Povo Brasileiro e da aliança com o empresário José Alencar – e a partir daí enquanto esteve no poder? Mas não terá sido essa a raiz das distorções que desgastaram e comprometeram o partido?

É em torno dessas questões que vai se dando o debate. Adicionadas aí as opções de cada um no jogo específico que fazem em cada estado. Com quem vão se aliar, que estratégia garante ou tira votos de cada um, etc.

O problema maior que existe em torno de tudo isso é como adicionar à estratégia uma coerência do discurso com a realidade. O rumo da Operação Lava-Jato é uma armadilha para o PT, no que diz respeito à construção da sua narrativa. Se a Operação Lava-Jato seguir no rumo de fustigar os adversários do partido, com as revelações feitas pelos executivos da Odebrecht, ela seguirá fulminando os atuais ocupantes do Palácio do Planalto. O ministro da Casa Civil, licenciado por problemas de saúde, Eliseu Padilha, é um dos principais alvos agora, num processo que ronda bem de perto o principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto, aquele onde despacha o presidente da República. Na sexta-feira (3), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) já se viu obrigado a gravar um vídeo dando explicações a respeito de denúncias que vazaram das delações premiadas.

Mas, se tudo isso prosseguir, como manter a coerência da narrativa de que tudo o que aconteceu não passou de um golpe orquestrado apenas para retirar do poder o PT e seus governantes? Essa narrativa só faz sentido se a Operação Lava-Jato parar e acontecer o tal acordão que ela preconiza. Mas, se a Operação parar, sobreviverão os adversários do PT, mais fortes e mais capazes de vir a derrotar o PT no futuro. Essa é a armadilha por trás da narrativa.

Os que se alinham a Humberto Costa perceberam o tamanho dessa armadilha. Julgam que o PT deveria ultrapassar uma estratégia que hoje se limita a repetir tal discurso. Até porque, avaliam, as urnas das eleições municipais já mostraram que isso não anima mais o eleitorado.

Para os que se alinham a Lindbergh, isso equivaleria a jogar os seus aos leões, reforçando o discurso dos adversários, ao admitir erros e culpas. Num nivelamento por baixo dos expedientes da política, poderiam sobrar as diferenças de opção política.

O problema nisso tudo é que o PT hoje já não consegue manter tal debate apenas dentro dos seus ambientes. E vai construindo um processo no qual cada vez mais o adversário de um petista é outro petista que pensa de maneira diferente. O dicionário diz que autofagia é o “comportamento da pessoa ou animal que se alimenta de sua própria carne; autodigestão.[Biologia]” ou “ação ou desenvolvimento da célula que provoca sua própria autodestruição”. O dicionário não precisa dizer como acaba tal processo.

Rudolfo Lago é jornalista e colaborador em Os Divergentes.

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