Quando surgiram, as redes sociais foram saudadas por muitos como o prenúncio de um novo tempo. Estávamos diante da possibilidade de construção de uma ágora universal, um espaço no qual os cidadãos poderiam expressar suas ideias e discuti-las sem a necessidade da intermediação com seus representantes nos Parlamentos. Para alguns utópicos, surgia a chance de construção de um modelo de democracia direta a partir das novas ferramentas tecnológicas.
A isso, se somava a potencialidade da rede mundial de computadores, dando acesso gratuito e direto a todo o conhecimento. Bibliotecas e museus ao alcance de um clique. É triste, mas a humanidade prefere dar outra vez mostras de que pode ser um projeto fracassado. Aos museus e bibliotecas, a maioria prefere compartilhar vídeos de cachorrinhos latindo ou coisas piores. E as redes sociais acabaram se tornando veículos de disseminação das piores distorções e besteiras. Seja por ignorância mesmo. Seja por má fé, o que é muito mais perigoso.
Prolifera nas redes desde as manifestações nazistas, fascistas e racistas nos Estados Unidos nos últimos dias um exemplo veemente dessa doença. Alguns vêm tentando vincular o nazismo de Adolf Hitler ao comunismo. Independentemente do que se pense sobre uma ideologia ou outra, é preciso dizer que não há a menor relação entre eles. Se queremos debater alguma coisa com um mínimo de propriedade, é necessário estudar nem que seja um pouquinho de história.
Com absoluta modéstia, sem pretender virar professor e reconhecendo as profundas limitações, vamos tentar estabelecer aqui algumas diferenças que é importante que se conheça. Em primeiro lugar, vamos deixar de lado a besteira mais recente de considerar que não há a divisão entre esquerda e direita na política. Quem acha que ela não existe, que arranje uma maneira melhor de conceituação.
Assim, comecemos pelo nazismo. Trata-se de uma ideologia de extrema direita surgida nos anos de 1930 na Alemanha. Alinha-se a outras ideologias semelhantes que tinham como base o ultranacionalismo. O ultranacionalismo pressupõe a existência de um Estado forte e interventor. Nisso, então, o ultranacionalismo acaba se distanciando do capitalismo liberal, porque no ultranacionalismo não cabe a ideia da livre iniciativa. No caso da Alemanha, tínhamos ali um país humilhado e destroçado pela Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes impôs à Alemanha o pagamento de uma dívida tão absurda que, pasmem, o país só conseguiu terminar de pagá-la em 2010! A Alemanha viveu o que é considerada uma das piores crises econômica da história de qualquer país. A inflação em 1923 chegou a mais de 25 mil por cento ao mês. Um dólar chegar a valer mais de um trilhão de marcos. É nesse contexto que Hitler surge. Em seu discurso, buscava levantar a autoestima do povo alemão falando em supremacia, inclusive racial, e elegendo inimigos que, na sua visão, eram responsáveis por essa situação, como os judeus. Considerava o resto do mundo seu inimigo e mergulhou a Alemanha num triste período de insanidade. Para quem quiser entender um pouco mais disso, vale o documentário “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen.
Assim, dentro dos conceitos modernos de capitalismo, não se pode considerar a Alemanha de Hitler um modelo. Ali não havia Estado mínimo, meritocracia e outros conceitos que hoje se identificam com a direita. Bom lembrar que na nossa ditadura militar esses conceitos também não existiam. A ditadura militar também era ultranacionalista. E Jair Bolsonaro é também ultranacionalista.
O comunismo também não é capitalista. Mas não tem nada a ver com o nazismo. Na verdade, a rigor, pode-se dizer que nunca houve um governo comunista no mundo. Segundo o conceito de Karl Marx, o comunismo seria a criação de uma sociedade sem classes sociais, apátrida (ou seja, sem pátria), totalmente igualitária, onde a propriedade dos meios de produção seria coletiva. Isso nunca existiu de fato. Em países como a União Soviética ou Cuba, a propriedade dos meios de produção tornou-se estatal. Impôs-se um governo forte no que seria uma etapa primeira para a chegada ao comunismo, o que se chamou de “ditadura do proletariado”. E, embora se tenha tentado, como nunca se internacionalizou, o que veio nunca foi apátrida. E surgiram diversas conceituações diferentes de como chegar ao comunismo. O da União Soviética foi apenas um deles.
Outro aspecto da salada que anda se fazendo é que Hitler e Josef Stalin, então as referências principais de nazismo e comunismo na Segunda Guerra Mundial, estavam em lados opostos. Eram inimigos. No início da ascensão de Hitler, Stalin até se aproximou dos nazistas (como se aproximou dos nazistas também no Brasil Getúlio Vargas). Mas, após Hitler invadir a Polônia, a União Soviética uniu-se aos Aliados. E foi fundamental para a derrota da Alemanha. Foi o Exército Vermelho, dos soviéticos, que invadiu Berlim no início de 1945. É somente depois disso que Estados Unidos e União Soviética colocam-se em lados opostos, no período que ficou conhecido como Guerra Fria.
Certamente, há historiadores e cientistas políticos capazes de fazer um resumo da história melhor que este. Mas fica aí uma contribuição. Porque o mais incrível é chegar a um ponto em que ela se torne necessária…