Não fui, como alguns dos meus colegas Divergentes, um amigo íntimo de Jorge Bastos Moreno. Talvez, por conta de um temperamento bem mais introspectivo e caseiro, não o tenha compreendido bem, quando era mais jovem e menos maduro. De qualquer modo, mesmo não sendo íntimo de Moreno, foi com jornalistas como ele que aprendi a importância do distanciamento, da manutenção de um nível de tolerância com a diferença que, se não for exercida, joga o jornalismo na barca da mediocridade, quando não do desastre absoluto. Distanciamento e tolerância hoje raros no mundo, não apenas no mundo do jornalismo.
Talvez por isso Moreno tenha resolvido partir agora: sua maior qualidade foi a capacidade de agregação. E agregação é tudo o que o mundo atual parece não desejar, quase que absolutamente. Moreno, para nossa tristeza, talvez fosse agora algo anacrônico.
Moreno é um dos ápices de um dos momentos mais ricos da história do jornalismo brasileiro e brasiliense: a geração que produziu as dezenas de reportagens que levaram ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Uma geração ricamente apresentada no livro “Notícias do Planalto”, de Mario Sergio Conti. Moreno era, então, já um dos veteranos daquela geração, que teve outras estrelas mais ou menos jovens, como Luís Costa Pinto, nossos Divergentes Orlando Brito, Helena Chagas, Andrei Meireles, Itamar Garcez, etc. Eu, ainda bem foca de bater palminha, fui coadjuvante com orgulho nesse time. Muitas das histórias dos fantasmas, do Fiat Elba presenteado a Collor, surgiram para a equipe de O Globo, da qual eu fazia parte, da lavra de Moreno.
Mas o que ficará mais marcado na lembrança de quem conviveu em Brasília com Moreno será a sua casa, palco de diversas festas e reuniões na qual muitos de nós tivemos nossa primeira oportunidade de uma conversa mais aprofundada e menos formal com os principais políticos do país. Ali que fomos cultivando as nossas fontes.
Na casa de Moreno, reuniam-se peemedebistas, tucanos, pefelistas, petistas, comunistas. Uma extensão do Parlamento em um momento em que as pessoas, ainda cheias de esperanças, acreditavam integralmente na democracia como forma de solução dos problemas. E sabiam que não existe democracia sem convivência e sem respeito pelas diferenças. Ali, todo mundo se encontrava.
Vivemos agora um tempo em que muitos acreditam que a divergência de ideias torna o convívio impossível. Que acreditam que a discordância é sinônimo de inimizade. Se no tempo de hoje a diferença de ideias proíbe dividir mesmo os espaços públicos, como os de um avião, como imaginar reunir divergentes para um papo regado a boa comida e boa bebida à noite em uma residência?
Sem espaços como a casa de Moreno, diante da agressividade de quem se obriga a ter lados e ocupar trincheiras imaginando seu ofício como uma espécie de guerrilha, o jornalismo vai se tornando tolo, menor, esquecível. Vamos sabendo menos, nos blogs e veículos que se orgulham de ter lado, ou nos sites apressados que acham que o que queremos é uma notícia mal apurada publicada um segundo antes que o concorrente.
Ingênuos, os que exigem lados e posicionamentos alimentando seu ego com a opinião travestida de notícia de seus parceiros de ideias, vão sabendo menos. Enquanto isso, os políticos, que nada tolos são, continuam se encontrando e confraternizando, independentemente das suas posições ideológicas e políticas, fazendo seus acertos legítimos e ilegítimos. Mas o anfitrião dessas confraternizações não é mais um jornalista. E, por isso, nós cada vez sabemos menos delas…