A nova lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com o seu impressionante manancial de autoridades e políticos de todos os matizes, de todos os partidos, remete a um estudo de ciência política publicado há alguns anos, ainda no segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Tudo o que aconteceu e vem sendo investigado pela Operação Lava-Jato e seus desdobramentos refere-se à forma como a política brasileira se organiza e se financia. A promiscuidade entre financiadores e financiados dentro da opção pelo que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão”. Para o professor Kurt Weyland, tal opção produziu a “crescente sustentabilidade de uma democracia de baixa qualidade”.
Esse é o título em inglês do artigo do professor: “The growing sustantanability of Brazil’s low-quality democracy”. Faz parte do livro “Third Wave of democratization in Latin American” (A Terceira Onda de democratização na América Latina), organizado por Thimothy J. Power e publicado pela Cambridge University Press, em 2005. O artigo de Kurt Weyland é citado num livro organizado pelo professor Cezar Zucco Jr., da Rutgers University, “O Congresso por ele mesmo” (Editora UFMG, 2011).
Esse nosso modelo de “presidencialismo de coalizão” tomou forma principalmente no governo Fernando Henrique Cardoso e seguiu nos governos anteriores. Como diz o professor Weyland, Fernando Henrique “escreveu uma espécie de ‘manual do usuário’ para o presidencialismo de coalizão no Brasil”, que foi seguido “à risca por Lula”. A temporalidade do professor americano acaba em Lula, mas ninguém errará se disser que o mesmo modelo foi seguido por Dilma Rousseff e, agora, por Michel Temer. Diante do fato de que temos uma das maiores pulverizações partidárias do mundo, Fernando Henrique construiu um sistema de coalizão que não era baseado em afinidades políticas ou ideológicas, mas na troca de apoio por benesses: cargos, poder de influência, verbas do orçamento, etc. Tratou de construir, a partir desse sistema, a maior base de sustentação que lhe fosse possível, para ultrapassar sempre os 60% necessários para aprovar emendas constitucionais. Os demais presidentes seguiram na mesma balada.
Kurt Weyland diz que a “sustentabilidade” de tal modelo seria “crescente”, uma vez que a cada governo essa maioria só aumentou, e os governos conseguiram, na maior parte das vezes, o quorum necessário para aprovar os projetos de seu interesse. E é também verdade que tal modelo produziu uma “democracia de baixa qualidade”. Porque ela é baseada numa troca de favores. Que, por um lado, transforma o governo numa usina de escândalos. E, por outro lado, gera uma situação que torna praticamente insustentável para a maior parte dos políticos e dos partidos sobreviver na oposição.
É como se o Brasil fosse uma espécie de cidade do México política. A cidade do México fica em cima de uma falha geológica que faz com que ela esteja submetida sempre a pequenos terremotos de baixa intensidade. Weyland, porém, parecia imaginar que a tal falha geológica política não produziria em tempo algum terremotos maiores. Quando Weyland escreveu seu artigo, o Brasil vivia em céu de brigadeiro e Lula desfrutava de altíssimos índices de popularidade. Fernando Henrique vinha de dois mandados. Lula também foi eleito e reeleito. E, depois, Dilma. Ou seja, tudo levava a crer que o “manual” de coalizão de Fernando Henrique tinha, de fato, levado a um modelo sustentável.
Ocorre que os pequenos terremotos anteriores subiram imensamente de intensidade a partir da Operação Lava-Jato. O terremoto derrubou Dilma Rousseff. Levou a diversas prisões. E segue produzindo estragos. Nossa “escala Richter da política” atingiu níveis impressionantes.
O que parece abalar esse modelo sustentável agora é que, a cada um dos governos, foi se ampliando o volume das práticas “de baixa qualidade” e a tolerância com elas fora do mundo da política foi diminuindo. O que a Operação Lava-Jato revela é uma gigantesca máquina de produção de recursos irregulares. Uma imensa oficina de propina, que paira sobre praticamente todos os partidos. A sociedade e outros setores, como o Judiciário e o Ministério Público, foram apertando o cerco contra essas situações. E esse descompasso, diante da falha geológica instalada em Curitiba a partir do gabinete do juiz Sergio Moro, pelo visto, vai desconstruindo a “sustentabilidade” da tal “democracia de baixa qualidade”.