Nenhuma mágica é possível se o público não estiver disposto a acreditar nela. Nos últimos anos, a farsa tem imperado nos discursos e nas atitudes políticas brasileiras. Nada aconteceu ou acontece pelos motivos declarados. Entre a intenção e o discurso, há doses cavalares de dissimulação e truques. Quanto à plateia… Bem, a plateia vaia ou aplaude. Mas não exatamente pela qualidade do truque e, sim, pelo tanto que quer acreditar ou duvidar dele. Qualquer truque será bom se for executado pelo seu mágico predileto, e será péssimo se executado pelo mágico do outro time.
Dilma Rousseff foi cassada não pelo crime que eventualmente cometeu ou deixou de cometer. Fosse assim, o Senado não teria inventado a manobra final que tirou o seu mandato mas preservou seus direitos políticos. Mas ela também não fazia o governo de esquerda que sua plateia adora enxergar. Seus aliados são agora aliados do atual governo. A condução econômica de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não era muito diferente da atual condução econômica. Aliás, Henrique Meirelles, o atual ministro da Fazenda e aquele que propõe as reformas que a plateia de Dilma critica era o nome preferido de Lula para ter conduzido então a economia (ele, que no governo Lula foi o presidente do Banco Central).
Michel Temer obteve o apoio da classe empresarial para fazer as reformas que a sua base – que, aliás era basicamente a mesma de Dilma – resiste em implementar. No fundo, porque, para ela, mais importante que isso seja talvez a chance de, ao lado de Temer, conseguir dar um freio na onda punitiva vinda da associação entre Ministério Público, Polícia Federal e parte do Judiciário que vai indistintamente pondo na cadeia empresários e políticos de todos os matizes, criminalizando a forma como se deu no Brasil a relação entre financiados e financiados na política. O tal pacto a partir da retirada de Dilma e da assunção de Temer que o senador Romero Jucá revela na conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, num momento em que, graças à gravação clandestina, ele se permitiu a retirada da sua cartola de mágico.
Alvo da mesma onda punitiva, Luiz Inácio Lula da Silva segue incólume na liderança das pesquisas eleitorais, na busca de um terceiro mandato como presidente. Seguindo uma estratégia de campanha que tem como base central o confronto com as forças que, no discurso, o perseguem: elites, Ministério Público, Judiciário. Ele, que fez um governo de conciliação, a partir da Carta ao Povo Brasileiro. Que recentemente chegou mesmo a reclamar do comportamento agora da elite financeira, pelo tanto que ganhou em seus governos. Diante da liderança que segue inconteste de Lula, parte do empresariado e mesmo parte do PMDB de Temer já considera a hipótese de apoiar outra vez o candidato petista.
E Lula é líder nas pesquisas não porque seus eleitores desejem partir para um confronto com as elites. Mas porque desejam ficar mais próximos delas. Recordam-se dos ganhos e da ascensão social que tiveram nos governos do PT, e anseiam ter isso de volta.
Como principal adversário de Lula, Jair Bolsonaro apresenta-se como alguém contrário a toda essa “bandalheira”. Com disposição para por fim a ela. Mas Bolsonaro há anos é deputado usufruindo dessa mesma lógica. Rodeia-se de assessores que tentam amenizar o radicalismo das suas posições originais para torná-lo mais liberal e palatável. Em um partido pequeno, terá de fazer alianças. E os candidatos a elas são os mesmos de sempre: que foram aliados de Lula, de Dilma, de Michel Temer.
Em outubro, atrás de cada seção eleitoral haverá uma caixa com um tela escura. No fundo, essa tela será um espelho. Ali, o brasileiro terá a chance de mirar seu reflexo. E de retirar dali, de fato, uma imagem de si mesmo. Ou de continuar se enganando com as mágicas e truques de seus governantes. Ter consciência dessa mágicas e truques para extrair dali o que há de sincero e real, ou não, será a opção de cada um. O sucesso ou não da mágica depende também da reação da plateia…