O mais novo entrevero no Supremo Tribunal Federal, em termos quase de discussão futebolística de botequim, reacende a discussão, para mim basilar: pode o STF legislar, como está fazendo em temas polêmicos e complicados, como o caso do aborto, questões de gênero, segunda instância etc. Afinal, somos ou não uma República? Na República, é o Legislativo, em nome do povo, quem faz as leis. Não os senhores de toga, que se “elegeram” ao cargo mediante concurso público…
Não faço distinção entre ministros ao lamentar o baixo nível que temos testemunhado atualmente, mas, a bem da verdade, e longe de fazer a defesa de qualquer um deles, o ministro Gilmar Mendes – com a sua conhecida truculência verbal – criticava a decisão de Luiz Fux de tirar de pauta o julgamento da ação que iria acabar com o auxílio moradia concedido aos juízes e a outras categorias do setor público, as quais costuma chamar de “castas. Gilmar admoestava Luis Roberto Barroso por sua decisão que julgou inconstitucional a penalização do aborto, sem levar a questão ao plenário, quando foi interrompido pelas frases que já estão virando memes e até dísticos em camisetas.
Chegamos, então, à questão de fundo que motivou todo o deprimente espetáculo transmitido ao vivo pela TV Justiça. O cumprimento de pena após decisão em segunda instância. Este caso, de qualquer ponto de vista razoável que se tome, não é, em absoluto, o mais premente na fila de abacaxis que o Plenário do STF precisa descascar. Premente para quem? Só se for para o mais famoso condenado em liberdade do país.
Nunca é demais lembrar que vários, muitos outros condenados, em primeira instância pelo mesmo juiz Sérgio Moro e em segunda instância pelo mesmo TRF de Porto Alegre, poderão se beneficiar de uma revisão do entendimento tomado há apenas dois anos por esse mesmo colegiado. Por que é premente para o STF decidir sobre a segunda instância e não é premente julgar os vários casos de políticos acusados de corrupção que se amontoam (e prescrevem) sobre suas mesas?
Muita gente confia no STF para implementar sua pauta de “avanços sociais”. Para mim, é simples a divisão de poderes. Nem o Legislativo toma o espaço do Judiciário e nem o Judiciário usurpa o poder do Legislativo, que nada mais é do que a representação do eleitorado. O que vivemos no Brasil com o Supremo decidindo sobre questões em nada constitucionais, e em geral tremendamente polêmicas, é uma excrescência sem precedentes no mundo.
Mais ainda quando vemos um ministro, uma pessoa, uma única pessoa, decidindo pela virtual revogação do que está explicitamente colocado em uma lei (sobre o aborto, por exemplo). Ou, na outra ponta, introduzindo dispositivos no aparato legal da federação, impondo a visão de uma pessoa, de uma única pessoa, sobre o que o conjunto da sociedade deve decidir, na forma prevista em nossa Constituição.
Onde está escrito, na Constituição que, em razão de demora ou mesmo recusa do Poder Legislativo de votar este ou aquele projeto, o Judiciário pode tomar para si a tarefa de decidir se vamos rumar para este ou aquele lado? É usurpação pura e simples. E, como já se disse muitas vezes, a mais perigosa de todas é a ditadura do Judiciário.