O ex-presidente Michel Temer está voltando do Líbano de peito estufado. Sua presença em Beirute bateu, em repercussão interna, à visita do presidente francês, Emmanuel Macron. Os dois estadistas representam as maiores referências externas do País. O Brasil tem a maior população de origem libanesa do mundo, inclusive superior à metrópole; a França foi a potência colonial que, entre outras coisas, legou a língua oficial do País. Brasil e França disputaram a primazia dos apoios externos após a explosão do porto de Gemmayzeh.
O ex-presidente brasileiro foi ao Oriente Médio como chefe da delegação enviada pelo presidente Jair Bolsonaro, que oferecia uma ajuda humanitária (remédios e suprimentos, inclusive quatro mil toneladas de arroz, que estão a caminho, de navio) ao governo daquele País, como suprimento para enfrentar às destruições produzidas pela explosão do porto de Beirute. O líder francês foi levar sua solidariedade e lamentar a tragédia.
Algodão entre cristais
Os dois estadistas também operaram no sentido de promover algum tipo de acordo político entre as facções que dividem o poder no Líbano. Temer reuniu, na embaixada do Brasil, em Beirute, a cúpula do sistema político, integrada pelo presidente da República do Líbano, Michel Aoun, o primeiro-ministro interino, Hassan Diab, o presidente do parlamento, Nabih Berri, e os chefes das religiões, divididos em cristãos papistas e ortodoxos (gregos e russos), muçulmanos xiitas (apoiados pelo Irã) e sunitas (apoiados pela Arábia Saudita e outros países da região), drusos e outras etnias minoritárias. Foi um encontro sem precedentes, considerado um êxito diplomático, que corrobora, segundo a imprensa árabe, a fama de grande articulador do político paulista.
Macron foi duro
O presidente francês foi duro com a liderança libanesa. Respaldado no polpudo pacote de ajuda que amealhou entre os demais países europeus, num total, até agora, de 253 milhões de euros, Macron deu um puxão de orelhas nos antigos protegidos: “Se não forem realizadas reformas, o Líbano continuará a se afundar. Esta explosão deve ser o início de uma nova era”, disse, em reunião com a liderança do País. Ao mesmo tempo, recebia um abaixo assinado com 50 mil assinaturas (numa lista que continua recebendo milhares de adesões) pedindo que a França voltasse a ocupar o Líbano, na antiga condição de protetorado. Ou seja, a recolonização. O presidente turco, Tayyp Erdogan, protestou contra o mandatário francês, acusando-o de neocolonialista. Antes da Primeira Guerra Mundial, o Líbano era parte do Império Otomano, o nome antigo da atual Turquia.
Os franceses têm relações milenares com os libaneses, originárias do rescaldo das Cruzadas, no ano 1.100, quando, desde então, as minorias cristãs do País mantiveram laços econômicos com a Europa católica. Essa foi a origem do sistema financeiro internacional do mundo árabe daquela época.
Os libaneses até hoje são os banqueiros do Oriente Médio. Essa relação se fortaleceu depois da Grande Guerra (1914-18), quando as antigas províncias otomanas árabes foram divididas em protetorados da Inglaterra e da França. Os ingleses ficaram com Iraque, Jordânia e Palestina; os franceses com Síria e Líbano. O objetivo, a pedido dos próprios árabes, era oferecer proteção contra uma possível tentativa da Turquia de retomar os territórios. Essa é uma questão ainda aberta na região.
Refugio dos cristãos
Já o Brasil tem uma relação antiga, mas diferente. Ainda no tempo do Império, o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com a Turquia. Um Tratado de Amizade, Comércio e Navegação foi assinado pelo imperador Dom Pedro II com o sultão Abdul Medjichie, em 15 de maio de 1858.
Em 1871, o rei brasileiro visitou o Oriente Médio, encontrando-se com o sultão Abdul Hamid II, em Istambul. Nesta oportunidade trocaram condecorações e Dom Pedro II conseguiu que seu colega otomano liberasse os cristãos de seu império a imigrarem para o Brasil. A comunidade cristã vivia sob grande opressão, como cidadãos de terceira classe, depois da classe dirigente dos turcos arianos, em segundo os árabes muçulmanos e, lá em baixo, os árabes cristãos, sem direitos e sem espaço na economia.
Iniciou-se então essa imigração, que hoje constitui uma das etnias mais importantes da diversidade brasileira, com 14 milhões de oriundos, quase tanto quanto dos autodeclarados pretos, com 19,78 milhões (IBGE, 2019). Há mais que o dobro de libaneses no Brasil do que no país de origem. A família Temer é originária da cidadezinha de Btaaboura, no norte do País.
Além disso, a reunião do ex-presidente brasileiro com as lideranças libanesas teve um desenvolvimento mais fluido. Embora o ex-presidente Temer não seja alfabetizado em árabe, ele entende o idioma coloquial e consegue se comunicar verbalmente com alguma desenvoltura. Isto foi fundamental para sua eficiência pra conduzir a reunião desses grupos rivais e, muitas vezes, hostis. Sucesso, dizem os observadores.