Quando o povo chileno, há poucos dias, exigiu uma nova Constituição para o País, não o fez reivindicando o que poderíamos chamar de direitos civis e liberdades públicas. Antes, os êmulos de Neruda litigam por direitos sociais surrupiados pelo modelo neoliberal adotado pelo ditador Pinochet com o apoio dos chamados “Chicagos Boys”. Dentre eles o nosso atual ministro da Economia, Paulo Guedes, que a época integrou a equipe econômica chilena, ainda que numa posição secundária. Saúde, educação, previdência, custo do transporte, corrupção, concentração de renda e a criminalidade. Foram esses os motivos da revolta chilena.
Já no bananal, Guedes, entusiasta dos equívocos que ajudou a construir no Chile, não hesitou em dar o primeiro passo na direção da privatização do SUS – nosso alquebrado, mas ainda elogiado sistema de saúde publica. Sorrateiramente, sem a chancela formal do pouco acreditado general Pazuello, Bolsonaro e Guedes assinaram um decreto autorizando “estudos de parcerias para o setor privado construir e operar postos de saúde no País”. A reação não foi exatamente expressiva, mas suficiente para obrigar o governo a tergiversar, sem desistir da ideia, ponderando que “a medida não representa qualquer decisão prévia, pois os estudos técnicos podem oferecer opções variadas de tratamento da questão”. Não colou. O decreto foi revogado.
Isoladamente, esse decreto já seria um insulto ao País. Açoitados pelo desemprego, menoscabado pela pandemia os brasileiros vivem os sobressaltos cotidianos das fanfarronices que emanam da presidência da República e seus asseclas. Não faz muito, Bolsonaro desdenhou a ideia da vacina contra o coronavírus. Em seguida veio a público a reunião do presidente com o general Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o diretor da ABIN, Alexandre Ramagem e os advogados do senador Flavio Bolsonaro, filho do Bolsonaro, investigado no caso das “rachadinhas”. Entre um momento e outro, o ministro-piromaníaco, Ricardo Salles, cunhou um novo epíteto para o general Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo da Presidência da República: Maria-fofoca.
Entre descalabros e deselegâncias – a lista é tão grande quanto os cansativos dias desse governo – Bolsonaro e sua “corte” tocam o País para as incertezas e uma temerária insolvência. Os cenários na Europa e nos Estados Unidos, indicam um forte recrudescimento da pandemia que, seguramente, terá seus reflexos no Brasil. Nossa imprudência mais recente em relação direta ao atendimento da população infectada e que poderá ser vítimas do vírus, foi desativar 65% dos leitos de UTIs abertos para a pandemia. Diante de tantos descaminhos e as previsões sombrias para 2021 com o desemprego atingindo 20% da população economicamente ativa, os juros voltam a subir e o dólar, turismo, chega a R$ 6,35 e o euro a R$ 7,47.
Nossos endinheirados são toscos e primitivos. Não por acaso somos uma das nações mais injustas e cruéis do planeta, mesmo ostentando os números da nona economia mundial. Mas os feitores do bananal sabem que precisam aumentar a sobra da mesa, as migalhas do banquete a serem jogados ao terreiro para os deserdados da sorte e do destino. Não por acaso surgem os primeiros sinais de um movimento crescente no chamado universo liberal e conservador do País, em busca de uma alternativa consistente ao presidente Bolsonaro em 2022.
“Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói!”, disse o general Rêgo Barros, ex-porta-voz da presidência da República, em seu artigo publicado ontem no Correio Brasiliense, em tom oitocentista, repleto de advertências e criticas ao governo Bolsonaro. Certamente o general não fala sozinho!