Reforma Tributária, cada um tem a sua. No Congresso, até a legislatura passada, dizia-se isso da Reforma Política.
A Reforma da Previdência, que está sendo aprovada pelo Senado, surgiu do entendimento majoritário da necessidade de criação de uma idade mínima para a aposentadoria no Regime Geral (a joia da coroa).
Na Reforma Tributária, a necessidade de racionalização do sistema poderia ser apontada como o ponto de partida, mas é preciso amadurecer o entendimento em torno dessa racionalização.
Se houver foco, isso ainda leva algum tempo. Em 2020, teremos eleições municipais e ninguém vai querer reformar impostos nessa temporada, a não ser para levar mais recursos para os municípios.
No ano seguinte, será ainda mais difícil promover a mobilização do Congresso por uma agenda de reformas. Os parlamentares já estarão pensando no próprio futuro, se é que algum dia deixaram de pensar nisso.
É provável que as complicações do sistema tributário tenham feito surgir tantos especialistas quantos agora se nota, imbuídos do propósito de desembaraçá-lo. Na outra ponta há um exército de advogados tributaristas, gerado em razão deste emaranhado de leis e de outras normas.
Não se deve menosprezar aqueles que participam dos debates da Reforma Tributária defendendo um mínimo de mudanças, com a manutenção do federal Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do estadual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Osíris Lopes Filho, que foi Secretário da Receita Federal e caiu, em 1994, quando mandou examinar a carga trazida dos Estados Unidos pela Seleção Brasileira de Futebol que acabara de conquistar o tetracampeonato mundial, dizia que “Imposto bom é imposto velho”. Osíris faleceu há pouco mais de dez anos.
Os que sustentam atualmente esta bandeira conservadora ainda defendem a manutenção dos incentivos fiscais e a cobrança do ICMS na origem, na contramão do discurso reformista mais em voga, que propõe toda a cobrança do imposto estadual no destino.
A bancada dos estados da Amazônia é a mais mobilizada nesse estágio de discussão da reforma. Teme-se que o fim dos incentivos represente o fim da Zona Franca.
O lobby é forte, como atesta a validação dos incentivos da Zona Franca até 2073. Em 2014, aprovou-se uma PEC prorrogando os incentivos por 50 anos, mas o atual governo não demonstra simpatia por políticas de incentivos fiscais em geral e pela Zona Franca, em particular.
Propostas em profusão
Diferentes visões da Reforma Tributária criaram a situação vivida pelo Congresso, onde tramitam duas propostas: uma na Câmara e outra no Senado. Claro que as coisas não são tão simples assim, especialmente neste mundo. Tem ainda a disputa pelo protagonismo, a fogueira de vaidades, o jogo de interesses e outros pecados mais.
As duas propostas (do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, no Senado, e do Centro de Cidadania Fiscal, o CCiF, na Câmara), em linhas gerais, criam um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para substituir uma penca de tributos. Ambas preveem um período de testes do IBS, de um ano, a primeira, e de dois anos, a da CCiF. E um período de transição para os impostos visados, que é de cinco anos na proposta Hauly e de dez anos na PEC da CCiF, apresentada formalmente pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
Tem mais: o governo, pelas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes, e este pelas mãos do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, promete, há algumas semanas, enviar ao Congresso a sua proposta de Reforma Tributária.
O problema da proposta do governo é que seus agentes defendem a criação de uma Contribuição sobre Pagamentos (CP), nos moldes da antiga CMPF, extinta por obra e graça do Congresso no final de 2007. Fala-se em uma alíquota de 1% (a CPMF morreu com 0,38%).
Quando o Ministério da Economia começa uma conversa falando em CPMF ou coisa que o valha, a rejeição à contribuição toma conta de tudo, ofuscando a ideia da própria reforma. Ao invés de Reforma Tributária, passa-se a discutir a volta da CPMF (CP para os íntimos).
Nova PEC
Recentemente, surgiu no gramado em frente ao Congresso um outdoor inflado da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária em apoio à PEC 128/19. O outdoor tem o patrocínio da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).
A PEC foi apresentada pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) em 16 de agosto. Bem ao gosto dos patrocinadores (e não vai aqui nenhum juízo de valor), a proposta privilegia a tributação sobre ganhos e lucros em desfavor da incidência tributária sobre o consumo.
É curioso que o autor pertença ao DEM e que não seja auditor fiscal. Luís Miranda se apresenta como empresário, comunicador e consultor. Figura polêmica, Miranda é um yotuber sem maiores vinculações com a questão tributária.
No Congresso, a esquerda defendia que a Reforma Tributária fosse discutida antes da previdenciária e perdeu, mas manteve o discurso. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) avalia que a discussão de um imposto sobre consumo funciona como um Robin Hood às avessas, tirando dos pobres. Em nome do PT, Paulo Teixeira defende a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio, a instituição de um imposto sobre lucros e dividendos, a discussão da correção da tabela do Imposto de Renda e a criação do imposto sobre herança.
Gato escaldado
O ex-governador do Rio Grande do Sul (2003-2006), Germano Rigotto até hoje lamenta não ter contado com o apoio do Governo FHC para aprovar uma proposta de Reforma Tributária que defendeu pelo país afora em 2001, na condição de presidente de Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Assim como “gato escaldado tem medo de água fria”, Rigotto, que foi deputado federal por três mandatos, garante que não se faz Reforma Tributária sem o envolvimento do governo federal na construção da proposta.
Paulo Rabello de Castro, que presidiu o BNDES no Governo Temer, faz um discurso sui generis em relação à Reforma Tributária. Bom expositor, ele diz que os deputados vão “apanhar na rua” se aprovarem a reforma que tramita na Câmara, porque vão manter, pelo tempo que durar a transição, uma porção de tributos que ele chama de “zumbis” e acrescentar mais dois: o Imposto sobre Bens e Serviços e o imposto seletivo, que na proposta da Câmara tem como objetivo desestimular o consumo de determinados bens e serviços.
Rabello de Castro defende uma nova repartição de receitas, destinando toda a arrecadação do Imposto de Renda (R$ 384 bilhões) para o governo federal, que assim poderia fazer política fiscal sem se preocupar com a partilha, e repartindo com estados e municípios as receitas da CSLL, PIS e Cofins (R$ 380 bilhões). Ele mantém o ICMS, com 4% na origem, os incentivos fiscais e a Zona Franca de Manaus.
O destaque da proposta apresentada pelo ex-presidente do BNDES é a Operadora Nacional de Distribuição da Arrecadação (ONDA).
O receituário apresentado por Rabello de Castro acena com um resultado que hoje parece mirabolante: crescimento do PIB de 3% a.a., criação de 1 milhão de empregos/ano e crescimento industrial de 4% a.a. Hoje é zero.
* Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise