Várias famílias criminosas ficaram célebres na história da infâmia: os Irmãos Metralha, a “Cosa Nostra” e os Bórgias. Os ladrões fictícios e caóticos de Walt Disney, identificados não por nomes, mas por numerais, exatamente como os filhos de Bolsonaro, eram atrapalhados e não tinham êxito em suas delinquências. Já as máfias siciliana e napolitana faturavam alto com armas, lavagem de dinheiro, corrupção pública, extorsões e outras malfeitorias. A hermética organização mafiosa protegia os segredos da “famiglia” com uma hierarquia rígida de “capos”, conselheiros, soldados e associados. Prosperou nos EUA com os ramos ítalo-americanos Colombo, Bonanno, Gambino, Genovese, Lucchese e outros menores.
Antes, ainda na Itália, floresceu no Renascimento o clã pioneiro do crime, os insaciáveis Bórgias. Em plena escuridão do século XV, auge da torpeza e do obscurantismo medieval, essa família cometeu graves delitos na avidez pelo poder e pela glória. Os Bórgias são sinônimos de corrupção, subornos, assassinatos, nepotismos, traição, crueldade e promiscuidades. Estão inscritos no purgatório da humanidade pela ausência de pudores ou escrúpulos para se perpetuarem no poder. Uma família estranha, desumana, mortal e sombria que produziu 11 cardeais, 3 papas e uma rainha. O núcleo da maldade, o gabinete do ódio da idade média, eternizado pela perfídia, foi comandado por 4 Bórgias. Dois foram papas: Calisto III (Afonso Bórgia) e Alexandre VI (Rodrigo Bórgia). César Bórgia foi cardeal promovido pelo pai, Alexandre VI, e depois de abandonar a igreja se tornou um duque impiedoso e assassino. Lucrécia Bórgia, irmã de César é a alegoria da maldade feminina. “O Príncipe” de Maquiavel foi inspirado em César, uma síntese da tirania, do egoísmo e dos fins que justificam quaisquer meios. As máfias são historicamente vinculadas a 4 condutas: corrupção, mortes, armas e segredos.
Os Bórgias do cercadinho, milicianos repugnantes que cafetinaram o poder central por anos, também são 4: Jair, Flávio (01), Carlos (02) e Eduardo Bolsonaro (03), os irmãos metralha do pesadelo brasileiro. Todos são candidatos à carceragem pela meliância reincidente e cínica envolvendo corrupção, atentados contra a democracia, milícia digital e real, crimes contra a humanidade, disseminação de mentiras e outros delitos comuns, além dos crimes de responsabilidade. Jair Bolsonaro, blindado pelo cetro corrompido do presidente da Câmara dos Deputados e a impudicícia do procurador-Geral, tem 5 inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal: 1) tentativa de interferência na Polícia Federal; 2) espalhar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral; 3) ataque a instituições de forma organizada nas redes sociais; 4) vazar dados de investigação sigilosa da PF e 5) fazer ligação falsa entre a vacina da Covid-19 e a AIDS. O sexto inquérito – prevaricação na compra da vacina superfaturada da Covaxin, teve um pedido de arquivamento, mas ele não encerra o assunto. Gravitam ainda contra Bolsonaro 9 indiciamentos da CPI da pandemia: epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
Às vésperas da eleição de 2022 uma bomba centuplicou a suspeitas de corrupção envolvendo os Bórgias do cercadinho. A família Bolsonaro adquiriu 107 imóveis, a ‘Casa Nostra’. Em 51 transações foi usado dinheiro vivo, totalizando R$ 25,6 mi. Um modus operandi recorrente no submundo para lavar dinheiro, uma fraude fiscal corriqueira entre os mafiosos. O banco imobiliário da família sempre foi objeto de pesadas suspeitas e o tiro fatal foi a censura imposta sobre os 51 imóveis, encomendada por Flávio Bolsonaro e derrubada no STF. Jair Bolsonaro negociou 14 imóveis. Flávio chegou a 21 operações com a mansão mal-assombrada de Brasília, destaque do empreendedorismo, cujo valor é de R$ 6 milhões no condomínio da pompa na capital. Comuns nas transações imobiliárias são as compras abaixo do valor de mercado, vendas lucrativas, lacunas sobre a origem e licitude do dinheiro e a predileção por pagamentos em espécie. Na mansão de Flávio Bolsonaro em Brasília há névoas do alicerce ao acabamento. O valor do imóvel – R$ 5,97 milhões – é mais que o triplo dos bens declarados pelo senador em 2018. Ao TSE, o patrimônio informado foi de R$ 1,7 milhão: um apartamento, uma sala comercial, 50% da franquia da fantástica fábrica de chocolates, um automóvel e investimentos. A escritura atesta a quitação de R$ 2,8 milhões de entrada e o financiamento bancário de outros R$ 3,1 mi. São rachaduras comprometedoras. Houve um incremento de R$ 1,1 milhão no patrimônio em 2 anos. As 3 transferências bancárias para pagar a entrada somam apenas R$ 1,09 milhão dos R$ 2,8 milhões assinalados na escritura como quitados. Os irmãos Eduardo e Carlos também fizeram compras de imóveis com parte em dinheiro e subfaturados. O vereador federal também é investigado pelas rachadinhas.
Rogéria Bolsonaro, mãe dos numerais 01, 02 e 03 e primeira mulher do capitão, comprou em 1996 um apartamento na zona norte do Rio pelo valor de R$ 95 mil. O imóvel, situado em Vila Isabel, vale hoje R$ 621 mil. No período da compra, Rogéria Bolsonaro era casada com o então deputado Jair Bolsonaro em comunhão de bens. A separação só aconteceria 2 anos depois, em 1998.A escritura registra com todas as letras que o preço “certo e ajustado de R$ 95 mil foi recebido integralmente no ato… através de moeda corrente devidamente conferida, contada e achada certa e examinada pelos vendedores”. Entre o final de 1997 e 2008, quando estava com Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, segunda esposa do chefe dos Bórgias do cercadinho, comprou com ele 14 apartamentos, casas e terrenos, que somavam um patrimônio avaliado em cerca de R$ 3 milhões, o equivalente a R$ 5,3 milhões em valores corrigidos pela inflação. Pelas escrituras, contou a revista “Época”, cinco dos 14 imóveis foram pagos “em moeda corrente”, ou seja, em dinheiro vivo, passeando impune e corajosamente pelo Rio de Janeiro. Foram duas casas, um apartamento e dois terrenos em negociações separadas, que somam R$ 243 mil, em valores históricos, ou atualizados R$ 638 mil. A mesma Ana Cristina Valle movimentou R$ 9,3 milhões em transações financeiras entre 2019 e 2022, mesmo sendo uma modesta servidora pública alojada em cargos comissionados. Ela também é proprietária de outra mansão mal-assombrada em Brasília, avaliada em R$ 3,2 mi e que antes dizia ser alugada. O valor declarado da aquisição está bem abaixo do mercado. No palacete mora também o 04, investigado por tráfico de influência.
A corrupção pública, histórico braço financeiro das máfias, transborda malcheirosa no governo e repete a infiltração de gangsteres nas instituições estatais. Ela inclui lances menos viris, como viagras e próteses com sobrepreços, desvios múltiplos com o orçamento secreto e recende fétida no MEC, com barras de ouro, atendimento celestial à corrupção de pastores abençoados por Jair Bolsonaro e até propinas transportadas em pneus. No escândalo das vacinas a malversação ficou comprovada pelas apurações da CPI da Pandemia. A Covaxin, vacina indiana ainda em teste, foi pedida em carta ao governo indiano pelo próprio Jair Bolsonaro, quando ele desprezava a oferta já disponível de mais de 120 milhões de doses da Pfizer e da CoronaVac. As 20 milhões de doses do imunizante indiano foram contratadas com superfaturamento de 50% e a empresa escolhida para fazer a intermediação – Precisa Medicamentos – já havia dado um golpe de R$ 20 mi no Ministério da Saúde ao vender e nunca entregar medicamentos raros que não representava quando mandava por lá Ricardo Barros, líder de Bolsonaro. O capitão foi pessoalmente alertado sobre as inúmeras irregularidades por um deputado federal e o irmão, funcionário do Ministério da Saúde. Cruzou os braços. Para vigaristas que não representavam laboratório algum as portas do Ministério da Saúde estavam sempre escancaradas.A propina pedida pelo alto escalão do MS na AstraZeneca era de 1 dólar/dose.
Além da corrupção, o segredo é outro código sagrado das famílias mafiosas. A Ormetà, o pacto do silêncio. O capitão é devoto das trevas e do furtivo. Tem aversão à luz e vadia no crepúsculo da civilidade. Quando as labaredas iluminam os ilícitos dele e da família, a saída é mentir, golpear a transparência e decretar a opacidade. Tão logo assumiu, em 2019, estendeu a lona da escuridão, embaçando a transparência ao aumentar o número de pessoas autorizadas a decretar sigilo de informações e documento públicos. O STF cancelou em março de 2020 o trecho da MP 928/20 que suspendia os prazos para resposta dos pedidos da LAI. Frustrado com o malogro das ofensivas para turvar os marcos jurídicos, o governo passou a adotar os procedimentos de ocultação como norma administrativa. Pazuello abortou as entrevistas diárias e deixou de divulgar o balanço rotineiro de infectados e mortes da Covid-19. O Ministério da Saúde colocou sob segredo os expedientes sobre a Covaxin. Carlos Bolsonaro foi iluminado na reunião no Planalto negociando vacinas da Pfizer. Aí o governo prontamente impôs um sigilo secular sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome de Carlos e Eduardo Bolsonaro. O Exército brasileiro impôs um século de sigilo ao caso do general Eduardo Pazuello, que participou ilegalmente de um comício ao lado de Bolsonaro. Também foram classificados como reservados ou secretos os telegramas diplomáticos entre Brasília e Israel sobre a vexatória viagem para conhecer o spray nasal contra a Covid-19. Na roubalheira do MEC o governo decretou sigilo sobre reuniões de Bolsonaro com os pastores que surrupiavam a sacristia pública. Uma série de outras medidas para esconder gastos públicos foram adotadas. São 65 casos segundo o levantamento do jornal “Estado de São Paulo”.
Além da corrupção, do segredo, as mortes e execuções rondam as células mafiosas. Responsável por uma mortandade de mais de 686 mil brasileiros na pandemia, Bolsonaro defendeu armar a população, tem uma intimidade marginal com milícia e celebra sanguinários assassinos como Brilhante Ustra, Major Curió, Alfredo Strossner, Augusto Pinochet, Adolfo Hitler, Adriano da Nóbrega e outros facínoras. O homicídio covarde da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, em março de 2018, o atormentará após cessar a blindagem presidencial. O porteiro do condomínio onde mora Bolsonaro contou que Élcio Queiroz esteve lá no dia do ataque e disse que visitaria Bolsonaro, mas se dirigiu à casa de Ronnie Lessa. O porteiro afirmou ter telefonado à casa de Bolsonaro para avisar que o visitante tinha ido para outra residência, quando teria ouvido do interlocutor que ele “sabia para onde ele (Élcio) tinha ido”. O porteiro disse acreditar que a voz no telefone era de Bolsonaro. Segundo reportagem da TV Globo, o porteiro teria dito que um homem com a voz de Bolsonaro teria autorizado pelo interfone a entrada de Élcio Queiroz no condomínio. Registros da Câmara dos Deputados mostram que Bolsonaro estava em Brasília naquele dia. Élcio Queiroz, outro ex-PM, foi o condutor do carro que transportava Ronnie Lessa. Élcio publicou uma imagem, lado a lado com Bolsonaro, em 4 de outubro de 2018, às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial. O deputado que quebrou a placa com o nome de Marielle Franco, condenado a mais de 8 anos pelo STF, Daniel Silveira, foi indultado por Bolsonaro. Tutti buona gente.
O capitão Adriano da Nóbrega, do mesmo batalhão de Fabrício Queiroz das rachadinhas, foi o capo da milícia carioca e comandava conhecido o “escritório do crime”, que reúne matadores do mesmo naipe dos vizinhos da famiglia Bolsonaro. É um cadáver loquaz e incômodo.Na partilha da ‘rachadinha’ no gabinete de Flávio Bolsonaro, Nóbrega mostrou seu prestígio empregando a mãe e a ex-esposa. Foi agraciado com a maior honraria da ALERJ (medalha Tiradentes) entregue na cadeia pelo 01 e, depois do CPF “cancelado”, foi citado como “herói da Polícia Militar” e “brilhante” por Jair Bolsonaro. “Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disse, já. Foi um complô mesmo”. O tom grave da acusação foi captado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em um diálogo entre Daniella Magalhães e uma tia, dois dias após o “cancelamento” do irmão dela, Adriano da Nóbrega. Entre os principais meliantes do “Escritório do Crime” brilha o PM reformado, Ronnie Lessa, vizinho da família Bolsonaro no ruidoso condomínio Vivendas da Barra, um bairro que recende a milícia e onde o capitão teve 74,5% dos votos em 2018. A filha de Ronnie Lessa namorou um dos filhos do capitão, Jair Renan Bolsonaro. Mesmo com tantos vínculos, Bolsonaro tripudia da inteligência alheia renegando a afinação com o grupo de extermínio, assassinatos e mortes. Ele e o filho já defenderam a legalização da milícia.
Em menos de 4 anos foram evisceradas todas as malfeitorias dos Bolsonaro, condutas criminosas típicas das famílias mafiosas: corrupção de agentes públicos, fraudes em licitações, influência nas instituições para escapar da persecução criminal, intimidações por meio de ameaça grave ou violência, sigilos centenários, assassinatos, lavagem de dinheiro, banalização das armas e outros delitos. O pior presidente do Brasil de todos os tempos – ele próprio – é filho bastardo de uma organização criminosa, a máfia togada que reuniu o Ministério Público da 1 instância e uma Vara Federal de Curitiba. Com propósitos sabidamente políticos o bando da Lava Jato transgrediu, manipulou, mentiu para perseguir um inocente e tirá-lo da eleição em 2018. O chefe da quadrilha togada foi premiado com um ministério pelo presidente eleito, mas após romper o juramento de silêncio das gangues foi eliminado da súcia. Reabilitado pela luminosidade jurídica e democrática, Luís Inácio Lula da Silva é franco favorito para vencer a a eleição para a presidência em 2022 em todas as sondagens eleitorais. O ogro mafioso, mascate da morte, professante de mentiras, capo de um governo corrupto, defensor da milícia, que é a nova máfia, fala cinicamente em eleições limpas. Os Bórgias nacionais – organização criminosa mais suja da história brasileira – serão despejados do cercadinho pela fumegante metralhadora democrática.
– Weiller Diniz é jornalista