Fui o orador da sessão de comemoração dos 125 anos da Academia Brasileira de Letras. Para toda a cultura brasileira e não só para nós, acadêmicos, é uma data importante. Criada no final do século XIX por um grupo de escritores sobre uma ideia que já vinha da colônia e que tinha como grande modelo a Academia Francesa, ela se desenvolveu a partir dos jantares mensais da Revista Brasileira, de José Veríssimo. Ali, tendo como ativistas Lúcio de Mendonça e Medeiros de Albuquerque, e como bússola discretos sinais de Machado de Assis, se reuniam ainda Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Alberto de Oliveira, Rodrigo Otávio, “a literatura, a política, a medicina, a jurisprudência, a armada, a administração…”, nas palavras de Machado.
Desse pequeno grupo saíram os primeiros trinta; estes escolheram e convocaram os outros. Escolheram também os patronos, rompendo aí com a tradição da Academia Francesa, onde os patronos foram os primeiros ocupantes selecionados por Richelieu. Em torno de Machado de Assis e Joaquim Nabuco, como presidente e como secretário-geral, a Casa se solidificou e sobreviveu aos anos.
Nabuco, orador da sessão inaugural, advertiu que seríamos quarenta, mas não “os Quarenta”. A Academia não é uma casa de de deuses imortais, mas de escritores, que não entram num concurso de melhores, por um julgamento, mas numa escolha, que se faz por mérito, decerto, mas também lembrando que esta é uma Casa de convívios, jamais, como dizia Nabuco, a “dos Incompatíveis”. Assim fomos nos reunindo e nos sucedendo, uns ficando mais tempo, outros menos: Magalhães de Azeredo foi acadêmico por 66 anos, Barbosa Lima Sobrinho por 63 anos, Alceu Amoroso Lima por 48; meu amigo Guimarães Rosa por 3 dias apenas. Eu mesmo já estou há 42 anos, e há muito sou o decano da Casa, isto é, todos que me elegeram já morreram.
Contei na sessão algumas histórias, que muitos não conheciam ou não recordavam. Lembrei que os duzentos e sessenta e dois acadêmicos que fomos e somos desde a fundação trouxeram ao Brasil uma carga infinita de emoções que souberam transmitir em letra de forma, e, se fomos e somos todos mortais, cada um de nós é um pouco desta obra coletiva que é, ela sim, imortal.
A palavra é a expressão de nossa Casa. A ela devemos nossas devoções. Sua luz ilumina a sociedade, marcada pela infinitude como a matéria que forma o universo — a luz da palavra forma o nosso universo, e é com ela que nos erguemos para defender a cultura, para exprimir a cultura, para iluminar o caminho e abrir alas para a cultura.
Lembrei também que não só a cultura brasileira precisa ser defendida. Fui o Presidente que conduziu a transição para a democracia. Tenho a responsabilidade pessoal de defendê-la. Ela se consolidou pela prática continuada de eleições livres, sob a vigilância segura e firme do Tribunal Superior Eleitoral.
Garantir que o Judiciário exerça em plenitude suas responsabilidades é absolutamente necessário para que a democracia prevaleça. O Brasil precisa se unir em torno deste objetivo.
Celebramos nossos 125 anos. A Academia Brasileira de Letras continua se renovando. Somos o futuro de que falava o nosso passado pela boca de Machado e Nabuco.
Vivamos, na passagem fugidia do tempo, aquela glória que Machado dizia ser a “que fica, eleva, honra e consola”.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras