É sempre difícil ter uma medida exata do brasileiro a que o País ficou devendo mais do que a qualquer outro, pois por dez vezes lhe recusou a Presidência, cargo a que ele dera a primazia e a grandeza. Filho de político prestigiado, mas pobre, fez-se advogado, político, escritor. Partilhou com Nabuco as causas da abolição e do federalismo; mas vindo o golpe republicano, ocupou sozinho o largo vazio do Estado de Direito, que reinstituiu com seu projeto de constituição, e os negócios públicos, no Ministério da Fazenda. O Senado tornou-se sua Casa; da opinião pública ocupou o lugar maior que só desapareceria com sua morte; dominou a diplomacia em Haia; manteve sozinho vivo o espírito civil diante da tutela militar da República Velha. Olho as prateleiras com suas obras: o trabalhador das letras se mede em metros, tantos que levou décadas o trabalho da Casa de Rui Barbosa para publicar sua edição definitiva. Presidente de honra do Instituto dos Advogados do Brasil, é o símbolo da advocacia e o modelo da Justiça.
Desculpem essa imensa cabeça de artigo, mas esse homem pequenino deixou ainda uma obra cuja importância continua a crescer por seus mais de 130 anos: o Tribunal de Contas da União. Há muitos antecedentes no caminho desta Instituição, algumas que tomaram caminhos curiosos, como o Échiquier de Normandie — isto é, o Exchequer of England, depois que Guillaume atravessou a Mancha para recriar a velha herança institucional romana —, mas certamente a Cour de Comptes de Bonaparte é uma ideia mais moderna da necessidade do Estado, já agora separado das contas reais, controlar sua receita e, sobretudo, o modo como faz suas despesas para desempenhar suas obrigações. Rui a inclui na Constituição e dá existência concreta. Em sua exposição de motivos, ele dá o exato retrato da importância que tem o controle dos recursos públicos:
“O primeiro dos requisitos para a estabilidade de qualquer forma de governo constitucional consiste em que o orçamento deixe de ser uma simples combinação formal, como mais ou menos tem sido sempre, entre nós, e revista o caráter de uma realidade segura, solene, inacessível a transgressões impunes. [Um tribunal] que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias — contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional.”
Não foi um caminho fácil a implantação do controle das contas. Ainda hoje, como mostra o exame no Supremo Tribunal Federal do “orçamento secreto”, há resistência a que o dinheiro público seja usado com critério não apenas formal, mas eficiente, cumprindo os requisitos constitucionais.
Nomes ilustres passaram pelo Tribunal de Contas da União e deram contribuição importante a sua efetividade. Quero hoje registrar o papel do atual Presidente do Tribunal, o jovem doutor Bruno Dantas. Já funcionário concursado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, aos 25 anos foi aprovado com destaque para consultor do Senado Federal, onde o conheci. Revelou-se de imediato seu brilho intelectual, tanto na sólida formação, assegurando-lhe grande precisão na análise das questões, como pelo domínio articulado dos temas legislativos que fazia de seus pareceres verdadeiras teses. Quatro anos depois seus colegas o indicaram para dirigir a Consultoria Legislativa, cargo onde mais uma vez deu a dimensão de suas qualidades, agora como administrador de uma equipe de excelência, como é a deste órgão do Senado.
Escolhido pela Casa para ser membro do Conselho Nacional do Ministério Público, depois do Conselho Nacional de Justiça, seu desempenho o fez a escolha natural — e que se provou acertadíssima — para a vaga do Tribunal de Contas da União cuja indicação cabia aos Senadores. Assim, em 2014 tornou-se um dos mais jovens membros deste órgão fundamental para o controle das contas e tarefas públicas da União. Agora, aos 44 anos, torna-se seu Presidente. Cumpre assim, para usar uma expressão da antiga Roma, um verdadeiro cursus honorum, o caminho da excelência em todos os seus encargos.
O Tribunal das Contas criado por Rui Barbosa está em boas mãos. Ele terá um papel fundamental nesse momento em que se inicia uma nova etapa do Estado brasileiro.