Eu tinha 15 anos quando ocorreram os dois “elementos de dissuasão” que rasgaram a História da Humanidade: as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Seu lançamento quase simultâneo — uma foi lançada a 6 e a outra a 9 de agosto de 1945 — mostra que havia mais que o pretexto do General George Marshall: “facilmente acessível e que pode com certeza diminuir o número de vítimas americanas”. Segundo estes cálculos “misericordiosos”, uma invasão do Japão implicaria na morte de 400 a 800 mil americanos e cinco a dez milhões de japoneses. As duas bombas mataram cerca de 200 mil pessoas, milhares agonizando por meses e anos.
A 25 de julho Truman escreveu em seu diário que autorizara o uso da bomba em “alvo puramente militar”. No dia seguinte os líderes aliados fizeram a Declaração de Postdam, em que exigiam a rendição incondicional como alternativa para a total destruição do Japão. Os comandos japoneses pediram a Hirohito que esperasse a URSS — com quem tinham um pacto de neutralidade — dizer se aceitava mediar uma rendição condicional.
É verdade que mesmo sem a invasão as perdas japonesas com os bombardeios aliados com bombas incendiárias eram imensas (só a Operação Meetinghouse, sobre Tóquio, de nove para dez de março, matara mais de cem mil, mais que o horror de Dresden). Mas já os japoneses estavam sem condições de se contrapor militarmente e resistiam pela mistura de medo e conformismo com a posição quase sagrada de Hirohito. E Stalin havia rompido o pacto de neutralidade em abril e dito a Truman que declararia guerra no começo de agosto, como fez logo após Nagasaki.
A violência da destruição de Hiroshima deixou os japoneses perplexos, só entendendo o que acontecera 16 horas depois, quando Truman falou da bomba e exigiu a rendição imediata. Mas a loucura humana é sem limites: a Rádio Japão continuou a afirmar que ganhariam a guerra por nunca se render.
E os limites do pior são insondáveis: os cientistas japoneses concluíram que os americanos só tinham mais uma ou duas bombas nucleares, o que era suportável!!! E logo a imprensa americana revelou que as diferentes maneiras pelas quais as bombas matavam estavam sendo examinadas como se os mortos fossem porquinhos da Índia.
Lembro essa barbárie para falar dos riscos que passamos a cada dia desde então. Basta uma parte das armas nucleares, hoje nas mãos de vários países, para destruir a vida na Terra. Não a vida humana apenas, toda forma de vida. Essa coisa desmedida tem sido usada como argumento para que os países continuem guerreando por armas convencionais, que matam e destroem com imensa eficiência, e não, como sempre dizem seus defensores, para cessar as guerras.
A ideia de que o armamento e qualquer arma que seja pode limitar a destruição é de um primarismo incompreensível. Tenho pregado o desarmamento em todo foro a que tive acesso, inclusive nas Assembleias Ordinárias das Nações Unidas e na Sessão Especial sobre Desarmamento de 1988.
Com as armas nucleares, não bastasse o risco em si de seu uso nas guerras entre países, sempre houve um outro risco, até hoje popular apenas como pretexto para filmes de suspense: o risco de uma delas cair nas mãos de um terrorista. Foi o que passamos com o avanço do chefe mercenário Yegveny Prigojin sobre Moscou e, muito pior, seu ataque à cidade de Voronej, onde se armazenam e fabricam armas nucleares. Armas, no plural. O impensável acontece.
Eu disse uma vez que o mundo já aprendeu como suicidar-se. É impossível retroceder em seus conhecimentos. Mas há um primeiro passo necessário, que deve ser o do desarmamento, todo tipo de desarmamento.
A paz é o único caminho para a humanidade. É preciso que a alcancemos. E temos que sonhar não só com a paz, mas com uma paz que se construa sem armas, com a justiça social alcançando toda a Terra, a todo e cada ser humano, acabadas as desigualdades de raça, cultura, origem, condição social.
Assim poderemos viver sem sustos de fim do mundo.
– José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras