Expectativas, oportunidades e ratos

O governo tem sempre um papel importante em criar expectativas para o bem ou para o mal. Os mais espertos já sabem: se o governo estiver comprando ratos, a melhor coisa é criá-los.

“Rato, rato, rato!” Ao ouvir esse grito no Rio de Janeiro no período entre 1903 e 1907, a população corria para matar ratos e entregá-los ao “ratoeiro”. Esse funcionário pagava pelos ratos e os revendia para o governo. A ideia do sanitarista Oswaldo Cruz tirou de circulação mais de 1,6 milhão desses animais, debelando uma epidemia de peste bubônica. Com a demanda, a malandragem carioca passou a criar ratos em gaiolas e a importar ratos de outras cidades para vender para o governo. Claro que a história virou tema de carnaval.
Assim é o tal mercado, na realidade constituído por todos nós, à procura de uma oportunidade, dentro da lei, nós honestos.

Carro Popular – Foto Divulgação/Renault

Se o governo anuncia que vai reduzir o preço do carro popular, a oportunidade dispara um “ôpa! eu ia comprar um, mas vou esperar esse lançamento mais barato” e o mercado de venda de automóveis trava, pelo menos para esses modelos.

As expectativas fazem também efeito quando o governo insinua que vai propor o aumento da meta de inflação. Na hora, o mercado pensa “ôpa! o governo vai aceitar uma inflação maior”, é melhor eu remarcar logo o meu preço ou antecipar minha compra, provocando inflação. Os economistas, na sua linguagem hermética, falariam em desancoragem de expectativas.

Em outra situação, o governo não controla os seus gastos e deve emitir títulos de dívida para captar recursos. Se a dívida já estiver alta, nós, o mercado ou nossos agentes financeiros, pensamos “epa, essa dívida está muita alta, o risco de calote aumentou, só compro se o juro pago aumentar, se não vou colocar o meu dinheiro em outra coisa mais segura”. E o governo tem que aumentar o juro pago senão não vende o título para cobrir as despesas.

Assim funciona também o mercado de ações. Se tenho expectativa de que o lucro daquela empresa vai aumentar, eu compro. Um conhecido método de avaliação de empresas no mercado de fusões e aquisições é o fluxo de caixa descontado que tenta projetar o lucro futuro com base nas expectativas para o setor e para a empresa.

Tudo bem que nem sempre as expectativas são racionais, e essa percepção já distribuiu alguns prêmios Nobel de economia, até para psicólogos comportamentais.

Transportador Autônomo de Cargas – Foto Ederson Abi/Portal Peperi / Divulgação

Por outro lado, nem sempre que alguém quer fazer o bem, esse bem acontece. O governo quer aumentar o crédito para caminhoneiros poderem comprar seus caminhões, uma nobre iniciativa. A oferta de caminhoneiros aumenta e a implacável lei da oferta e da procura reduz o preço dos fretes. Resultado: greve dos caminhoneiros exigindo que o governo tabele os fretes – para cima, é claro. De tabelamento a gente entende, desde o Plano Cruzado e a caça de boi no pasto, já que tinha sumido do açougue. Difícil um ditado mais antigo do que “o inferno está cheio de bem intencionados”.

Já vimos esse filme várias vezes e o mocinho sempre morre no fim. O governo libera crédito abundante para os consumidores comprarem automóveis e apartamentos, os preços sobem, a inflação aumenta, todo mundo fica endividado, a inadimplência rola solta, os bancos aumentam os juros para se protegerem e ferram todo mundo.
O governo tem sempre um papel importante em criar expectativas para o bem ou para o mal. Os mais espertos já sabem: se o governo estiver comprando ratos, a melhor coisa é criá-los. Pelo menos com Oswaldo Cruz deu certo.

 

Evandro Milet é consultor, palestrante e articulista sobre tendências e estratégias para negócios inovadores. 

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