Plano Cohen II – A farsa

A multidão anárquica que ocupou a Praça dos Três Poderes não encontrou resistência. Policiais e soldados só apareceram após as depredações. Não havia cadeia de comando. O general Gonçalves Dias, chefe do GSI, o único oficial presente, confraternizou com invasores.

Getúlio decreta o Estado Novo no microfone da rádio Nacional diante de seus ministros

É conhecida a história do Plano Cohen, fantasiosa conspiração contra o governo do presidente Getúlio Vargas. No livro Getúlio Vargas, meu Pai, Alzira Vargas do Amaral Peixoto pergunta: “Quem inventou o Plano Cohen? Quem o forjou, se é que foi forjado? Quem o concebeu? Quem o redigiu? De onde surgiu? Por quê? Por quem? Quando? Onde? E para que? Ninguém sabe ao certo toda a verdade e talvez ninguém jamais venha a saber.” (Ed. Globo, RGS, 1960, pág. 205).

Posse de Eurico Gaspar Dutra como presidente da República, 1946 – Foto Arquivo Nacional

Relata o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – DHBB, no verbete referente ao presidente Eurico Gaspar Dutra, que “em setembro de 1937, circularam nas altas esferas militares e governamentais cópias de um suposto plano comunista de tomada do poder, batizado de Plano Cohen. Elaborado na verdade pelo capitão Olímpio Mourão Filho – chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (ABI) e oficial lotado no EME [Estado Maior do Exército] – o documento, cujos acenos antissemitas eram indisfarçáveis, foi usado por Góis Monteiro como argumento para a ultimação do golpe de estado. De início discretamente, e, no fim do mês, publicamente, com estardalhaço.” (Ed. FGV-CPDOC, Rio de Janeiro, 2001, vol. II, pág. 1935).

“O Plano Cohen foi uma suposta tentativa de tomada do poder por parte dos comunistas, em 1937″Veja mais sobre “Plano Cohen”

Em 30 de setembro o governo divulgou a existência do Plano Cohen, “contendo instruções da Internacional Comunista (Komintern) para a ação dos seus agentes no Brasil. O chefe do Gabinete Militar da Presidência, general Francisco José Pinto, determinou que o suposto plano fosse divulgado através do programa oficial radiofônico Hora do Brasil. Na mesma data, o ministro da Justiça enviou ao Congresso – onde mais uma vez eram reproduzidas expressões de Dutra – pedindo a reimplantação do estado de guerra” (ob. cit., pág. 1935].

Dias depois, em 10 de novembro, Getúlio Vargas promulgou a Carta Constitucional de 1937, implantou a ditadura do Estado do Estado Novo, mantendo o general Eurico Gaspar Dutra como ministro da Guerra. Escreve o historiador Paulo Brandi que o documento elaborado pelo capitão Olímpio Mourão Filho – o general-de-divisão que desfechou o golpe de 31 de março de 1964 contra o governo do presidente João Goulart – tinha sido preparado a pedido do próprio Plínio Salgado para ‘estudo interno’ sobre a atuação dos comunistas e a reação dos integralistas numa insurreição simulada” (Getúlio Vargas e seu
tempo, edição fora do comércio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social,
Rio de Janeiro, s/d, pág. 190).

Plínio Salgado – Foto Arquivo Nacional

Plínio Salgado (1895-1970), escritor e jornalista, fundou a Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista, em 7 de outubro de 1932. Tinha caráter paramilitar e chegou a reunir mais de 200 mil adeptos. Em 10 de maio de 1938 cerca de 30 integralistas, comandados pelo tenente Severo Fournier, empreenderam tresloucada tentativa de tomar o Palácio do Guanabara, residência do ditador Getúlio Vargas. Alzira Vargas do Amaral Peixoto relata detalhes da resistência por membros da família armados com revólveres de pequeno calibre, até a chegada de reforços da Polícia Especial e do Exército. Oito assaltantes morreram fuzilados nos jardins do palácio. O tenente Severo Fournier foi preso e torturado, morrendo no cárcere vítima de tuberculose. Ao Chefe de Polícia, capitão Filinto Müller, seu algoz, foi outorgada a comenda da Ordem dos Torturadores.

Ao ler sobre o Plano Cohen, não resisto à ideia de traçar paralelo com os acontecimentos de 8 de janeiro. Vêm à mente as perguntas feitas por Alzira Vargas do Amaral Peixoto. Havia plano para implantar ditadura? Quem o escreveu, se de fato foi escrito? Quem o concebeu? Quem o redigiu? De onde surgiu? Em benefício de quem? De quantos batalhões
dispunha? Quem os comandava?

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto – Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

A multidão anárquica que ocupou a Praça dos Três Poderes não encontrou resistência. Policiais e soldados só apareceram após as depredações. Não havia cadeia de comando. O general Gonçalves Dias, chefe do GSI, o único oficial presente, confraternizou com invasores. Os manifestantes, entre as quais mulheres e homens idosos, agiram de forma descoordenada. Não revelaram treinamento militar. Armas brancas ou de fogo não foram
encontradas. Nem sequer um revólver calibre .32.

É conhecida a frase de Marx, citando Hegel, que os grandes personagens e fatos da história ocorrem duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Seja quem for que o tenha imaginado, o Plano Cohen II, de 8 de janeiro, se resume a uma enorme farsa.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A
Falsa República.

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