O Monotrilho e a Constituição

O caso do monotrilho Linha 17-Ouro exige investigação oficial. Afinal, houve malversação de dinheiro público? Quanto está sendo gasto em cada quilômetro de concreto armado. São perguntas que os contribuintes têm o direito de fazer.

Trem da Linha 17-Ouro - Foto Divulgação

Ao leigo pode parecer estranho, mas a construção do Monotrilho Linha-17-Ouro, em São Paulo, capital, tem a ver com a Constituição da República.

De fato, prescreve o Art. 18 da Lei Fundamental, que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Os Municípios são regidos por Lei Orgânica “votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por terços dos membros da Câmara Municipal, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguinte preceitos”. Distribuídos em 14 incisos, seguem-se os ordenamentos fundamentais, para disciplinar os governos municipais.

De especial interesse se reveste o Art. 30, onde se encontram definidas as competências. Entre elas, reza o inciso V: “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o do transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

Transporte Público – Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

Por transporte coletivo entendemos linhas de ônibus e micro-ônibus, taxis, trens ferroviários urbanos, Uber, metrô, monotrilho. Se a linha é intermunicipal, a competência passa ao Estado.

A Linha 17-Ouro do monotrilho, em construção na Av. Jornalista Roberto Marinho, é municipal. Foi projetada para circular do Aeroporto de Congonhas ao Morumbi. “Era para ter sido 2013, ficou para 2014, um legado da Copa do Mundo, não deu”, registrou o jornal O Estado de S. Paulo (8/3, pág. A15. “Assim, a previsão agora é a obra acabar em 2024 ou 2025”, acrescenta a notícia.

Diz a matéria, assinada pelo jornalista Emílio Sant’Anna, que desde 2010 até este momento foram consumidos R$ 2,4 bilhões, retirados do Tesouro do Estado, alimentado com impostos pagos por contribuintes de diferentes camadas econômicas e sociais. Para a conclusão das obras civis, do trecho prioritário – ou seja, de Congonhas ao Morumbi – são estimadas despesas da ordem de R$ 5,1 bilhões.

Por inusitado que possa parecer, a Linha 17-Ouro é inconstitucional. Sim. Por se tratar de construção destinada ao transporte coletivo municipal, a organização, construção e prestação de serviços é responsabilidade do Município. Não pertence ao Estado ou à União. Assim o determina o citado Art. 30, V, da Constituição.

Mapa Político de São Paulo – Municípios, regiões administrativas e metropolitanas

O Estado de São Paulo divide-se em 645 municípios. Todos com prefeito, Câmara Municipal e orçamento. Alguns, pequenos como Borá. Outros mais extensos, como Ribeirão Preto, todos dispondo de meios financeiros proporcionais às condições socioeconômicas locais. O Vale do Ribeira e o Vale do Rio Paranapanema, por exemplo, são diferentes do Vale do Paraíba ou do entorno da Rodovia dos Bandeirantes.

É incorreto, do ponto de vista constitucional, a Fazenda do Estado arcar com os custos da construção de monotrilho, dinheiro que faltará para resolver problemas de infraestrutura, de educação, de segurança, de desenvolvimento. Ainda que dinheiro houvesse, não se justifica investir em projeto faraônico, de utilidade discutível, para resolver hipotético problema de transporte coletivo entre o Aeroporto de Congonhas e o estádio do São Paulo.

Construção de milhares de habitações populares

Com mais de R$ 5 bilhões, o Tesouro do Estado poderia financiar a construção de milhares de habitações populares, centenas de escolas fundamentais, hospitais, casas de saúde, onde se fazem mais necessárias.

À semelhança da Constituição da República, a Constituição do Estado de São Paulo confere à Assembleia Legislativa o dever de “fiscalizar e apreciar programas de obras, planos estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento e, sobre eles, emitir parecer”. Pode, também, constituir comissão parlamentar de inquérito, com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, mediante requerimento de um terço dos deputados (Art. 13, § 1º, 11, e § 3º).

Vigas da Linha 17-Ouro do Monotrilho do Metrô de São Paulo em obra na Marginal Pinheiros – Foto Divulgação

O caso do monotrilho Linha 17-Ouro exige investigação oficial. Em 2010 o Estado assumiu tarefa estranha a sua competência; o atraso das obras é superior a 10 anos; há dúvidas relativas à confiabilidade do modelo adotado; volume descomunal de dinheiro foi gasto e está por gastar.

Houve malversação de dinheiro público? Quanto está sendo gasto em cada quilômetro de concreto armado. São perguntas que os contribuintes têm o direito de fazer. Compete ao Governo do Estado e à Assembleia Legislativa, lançar luz sobre o tenebroso assunto.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi deputado estadual (MDB), Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

 

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