Maio e o destino do pós-greve

Foi um susto grande. A paralisação das principais cidades brasileiras em 28 de abril colocou um dilema para os parlamentares que sustentam as reformas do atual governo, especialmente a trabalhista e a previdenciária: como afrontar o eleitorado sem a consequente punição nas eleições que se aproximam?

Está claro para todos que o desejo do eleitorado não move os trabalhos do Congresso há muito tempo, e que após a derrubada da presidenta Dilma Rousseff, a intenção era fazer as reformas a ferro e fogo no formato CAD-CAM, antes que a normalidade democrática voltasse com seus desenhistas com mãos sujas de graxa.

Mas política não é só ferro se batendo, e mesmo o mais cínico parlamentar precisa do discurso legitimador que lubrifique suas ações e lhe permita segurar o eleitor contrariado com seus atos. Até o momento da greve, essa legitimação vinha do discurso de que a maioria que gritou pela queda de Dilma exigia a correção da economia, e esse desenho de reformas seria o remédio inevitável para se prevenir um mal maior. Mas o sucesso da greve geral ameaçava romper essa narrativa, expondo a fratura entre a ação parlamentar e a vontade das ruas.

O remédio seria a greve fracassar, independentemente do resultado real da mobilização. Por isso, o silêncio do Jornal Nacional na véspera, lembrando os tempos das Diretas Já, em 1984. Por isso, uma nova narrativa ganhou corpo a partir dos primeiros boletins noticiosos da manhã de sexta-feira. Na BandNews, o ouvinte matinal foi alertado para o pequeno número de pessoas que participavam de manifestações.

O discurso tomou corpo no almoço, com as análises da CBN repetindo a lógica. A palavra Greve só era ouvida nos spots de rádio pagos pelos sindicatos, pois os noticiosos só falavam em “movimento”, “protesto”, “manifestação”. Fugiam da palavra Greve como se fosse amaldiçoada qual o nome Voldemort nos livros de Harry Potter.

Assim, a mídia entregava aos parlamentares a narrativa que lhes permitiria continuar votando pelas reformas: “pouca gente na rua significava que o trabalhador, embora insatisfeito, não apoiou a greve geral, portanto, o movimento não deveria interferir na pauta de votações do Congresso”.

A tese da imprensa foi encampada pelo governo e referendada por economistas, sociólogos e analistas favoráveis às reformas como estão postas. Nenhum deles era ingênuo a ponto de ignorar que greve geral e manifestações massivas são objetivos antagônicos no Brasil, pois, ou há transporte público, e a greve é vista como fracassada, ou não há transporte, e o manifestante não tem como sair de casa. E estava claro para todos que o objetivo político do dia era a greve, não manifestações arrasadoras.

Os analistas contrários à greve e os independentes tinham espaço para um legítimo questionamento sobre a razão das ruas vazias, se representavam mais a adesão voluntária, ou disfarçada, de trabalhadores, ou se o esvaziamento devia-se à impossibilidade real de deslocamento de trabalhadores ansiosos por ocupar seus postos nas empresas. Seria um debate que afetaria menos a credibilidade de seus condutores, envergonharia menos a imprensa, e daria o mesmo discurso evasivo aos deputados.

Esse embate simbólico deverá ter novos rounds nos próximos meses. O campo governista ganhou tempo com o malabarismo semântico, e caberá agora às ruas mostrar se os manobristas do vocabulário tinham ou não razão. Nesse jogo de truco, sindicatos e movimentos sociais foram acusados de blefe e desafiados a mostrar suas cartas com mais clareza. Ouviram um truco forte da Paulista, do Planalto e da avenida Faria Lima. A partir de hoje, começa a correr o tempo para saber se irão entregar as cartas ou se mostrarão o zap vencedor nas ruas, antes que as votações das reformas se concluam no seu formato atual.

 

* José Ramos é jornalista, especialista em comunicação em ambientes sensíveis, com formação em marketing. Foi repórter de economia e política por 18 anos em Brasília e secretário de imprensa da Presidência da República.

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