Meu pai era admirador, fã mesmo, do grande Chico Anysio, e arrastou toda a família para essa torcida. Chico era multitalentoso, porém se destacou mais como humorista e criador de uma galeria de personagens inesquecíveis. Impossível citar apenas um, mas, entre tantos, vou destacar o Velho Pantaleão. Para os jovens que não o conheceram, uma breve apresentação: o velho era um contador de “causos” de dar inveja a todos os pescadores do mundo.
A cada história fantasiosa, tinha como plateia a esposa Terta, sempre crédula, e um afilhado meio abobado, que por vezes não entendia a história e fazia perguntas absurdas. Era o Pedro Bó, que virou sinônimo de burro; hoje seria um meme. Para minha geração, que acompanhou a carreira do artista, é impossível não pensar no Pantaleão como inspirador das narrativas bolsonaristas.
Outro dia escrevi aqui mesmo sobre quanto tempo ainda vamos demorar para nos livrar do legado nefasto do capitão na cabeça de algumas pessoas – muitas, aliás. Pensava como passaram a acreditar em todas as narrativas, versões e crendices criadas com sordidez pela máquina ideológica e golpista do governo anterior. Espanta ver e ouvir a repetição de mentiras sobre fraudes nas eleições, da suposta ditadura da toga, dos números do desmatamento, da negação dos marcos civilizatórios, e agora, a mais cruel, sobre o genocídio dos Ianomâmis. E como definir grupos imbecilizados nas portas dos QGs? Apenas o fetiche por fardas não explica.
O gabinete do ódio da ultradireita ressuscitou o personagem e criou uma plateia de Tertas, cercada de Pedros Bó. Os casos do Pantaleão começavam sempre em 1927 e eram ficcionais. Agora, são uma tristíssima realidade.