O ano de 2020 foi guiado pelos impactos da pandemia da covid-19 sobre a produção e circulação de bens e serviços e pelas respostas dos governos nacionais a fim de atenuar os efeitos de desestruturação econômica e social causada pela disseminação do vírus entre a população global. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu em 11 março de 2020 a situação de pandemia da covid-19. Até o início do dia 25 de fevereiro de 2021, a instituição registrava 111.999.954 casos confirmados de pessoas infectadas pelo vírus da covid-19, com 2.486.679 mortes, distribuídas por todos os continentes.
O Brasil é o terceiro país em número de pessoas com casos confirmados, 10.257.875, abaixo apenas dos EUA e da Índia, mas até a 1ª quinzena de abril o número de casos confirmados no nosso país deverá superar o do Índia, galgando a 2ª posição. Haviam sido registradas no Brasil, até aquela data, 248.529 pessoas mortas pela covid-19, número inferior apenas às 499.019 pessoas mortas nos EUA. Desde o início de novembro de 2020, a doença enfrenta uma segunda onda de contaminação no país, voltando a se expandir em ritmo acelerado em parte expressiva do território nacional, atingindo média semanal superior a mil casos diários em meados de fevereiro, sem perspectivas de refluir.
Nos países centrais, a vacinação ampla contra a covid-19 ganhou impulso a partir do final de 2020, mas não deverá lograr a imunização de parcela significativa da população mundial antes do segundo semestre de 2021. A consequência desse fato é que os impactos da pandemia continuarão marcando a evolução da economia em escala global ao longo do corrente ano e, possivelmente, do ano de 2022. No Brasil, o início da vacinação foi postergado para o mês de janeiro de 2021, com o agravante de que o ritmo de vacinação se mantém muito insatisfatório, por conta da falta de uma política clara de aquisição dos insumos no exterior, que persiste até o momento. Salta aos olhos a descoordenação que impera na implementação do programa de vacinação.
Impactos econômicos e sociais
Os impactos econômicos e sociais da pandemia têm sido terríveis. Em meados de dezembro de 2020, o balanço preliminar da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), órgão integrante das Nações Unidas, estimou contração média de 7,7% do PIB do subcontinente latino-americano em 2020, queda sem paralelo desde que as estatísticas começaram a ser registradas. Para aquela instituição, o encerramento temporário de muitas atividades e a perda de rendimentos das pessoas provocaram uma contração acentuada do nível de ocupação em todos os países da região. Em uma estimativa para o segundo trimestre de 2020, abrangendo catorze países da América Latina e Caribe, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicou queda de 10 pontos percentuais na taxa de ocupação, na comparação com igual período do 2019, correspondentes a uma perda de 47 milhões de postos de trabalho.
No início de janeiro de 2021, o relatório Panorama Econômico Mundial, do Banco Mundial, estimou em 6,9% a retração do PIB na América Latina e Caribe e projetou para 2021 uma retomada parcial do crescimento na região, com elevação de 3,7% no seu PIB.
O Relatório de Inflação do Banco Central do Brasil assinalou no início de dezembro que a recuperação da economia mundial dependerá principalmente da evolução da covid-19. O relatório alerta que a ressurgência da pandemia entre algumas das principais economias mundiais poderia interromper ou mesmo reverter, por algum tempo, a recuperação parcial do nível da atividade econômica mundial registrada no terceiro trimestre de 2020, o que veio a se confirmar no início de 2021.
As políticas contracíclicas
As respostas dadas pelos governos nacionais para atenuar os impactos da pandemia sobre a ocupação e os rendimentos das famílias, e assim se contraporem à espiral descendente do poder de compra, assumiram grandes proporções. As medidas implementadas envolveram um leque variado de instrumentos, contemplando políticas monetárias agressivas de adoção de taxas de juros negativas, montantes inéditos de transferência de renda para as famílias que, de uma hora para outra, perderam suas fontes de ganhos e políticas creditícias e de suplementação de salários dos empregados para as empresas em dificuldades, configurando uma das mais abrangentes experiências históricas de políticas anticíclicas e de caráter humanitário.
No Brasil, as medidas contracíclicas alcançaram grande monta, abrangendo, além dos instrumentos citados acima, volumosas transferências federais para os entes subnacionais (estados e municípios), a fim de compensar as abruptas perdas na arrecadação, sem as quais os serviços públicos mantidos por estas esferas de governo teriam entrado em colapso.
Indefinição angustiante
Os governos dos países centrais e as agências multilaterais de desenvolvimento têm expressado enfaticamente a necessidade da continuidade dos estímulos de renda, tanto do ponto de vista humanitário, quanto do ponto de vista da retomada da economia. O recém-empossado presidente Biden, dos EUA, anunciou um robusto pacote de estímulo que deve alcançar entre US$ 1,4 e US$ 1,9 trilhão.
O Brasil inicia o ano de 2021 em um ambiente de profunda incerteza, diante do encerramento do período estipulado para a vigência dos diversos programas contracíclicos. Com mais de 50 dias de interregno, o governo federal ainda não foi capaz de aprovar um programa robusto de amparo à população desassistida e que venha se contrapor ao refluxo da demanda. Apegadas a uma retórica de austeridade desconectada com a gravidade da situação econômica e social, as autoridades econômicas retardam a definição das novas medidas de socorro à população sem renda, que venham suprir o vazio de políticas que vige desde o final do ano passado. É importante destacar que, depois da modesta retomada verificada no 3º trimestre de 2020, graças ao vigor dos estímulos concedidos, a economia brasileira já vem perdendo fôlego nos últimos meses.
O citado Relatório da Inflação, do Banco Central, constatava em dezembro que as perspectivas sobre o ritmo de crescimento da economia brasileira continuavam muito incertas, diante da redução do volume de transferências de rendas para as famílias (auxílios emergenciais) já nos últimos meses de 2020.
Para 2021, reina a indefinição e as medidas atualmente em discussão são completamente insuficientes. Do ponto de vista social, a proposta do novo auxílio emergencial encaminhada ao Congresso Nacional, em quatro parcelas de R$ 250, não atende minimamente as necessidades de sobrevivência das famílias empobrecidas pela pandemia e chega a ser inexpressiva do ponto de vista de impulso da demanda. Ao fim e ao cabo, famílias empobrecidas, empresas fragilizadas e entes subnacionais iniciam o ano de 2021 sem perspectivas definidas em relação ao futuro imediato.
— Ricardo Lacerda é professor de economia da Universidade Federal de Sergipe