Em 1 de janeiro de 2003, ao tomar posse para seu primeiro mandato, a principal promessa do então recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi acabar com a fome no Brasil: “Se, ao final de meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida”, disse ele. Cumpriu, já que ao fim de seus dois mandados, e depois de mais dois de Dilma Rousseff, a fome não era mais um problema no país.
Grandes programas sociais foram criados, como o Bolsa Família, e embora a pobreza não tenha sido erradicada, houve muitos ganhos em matéria de distribuição de renda e deslocamento social, no que se chamou de “nova classe média”.
Vinte anos depois, os últimos estudos mostram que quase 20 milhões de brasileiros foram afetados nos últimos meses pela fome. Em janeiro de 2023, numa espécie de deja vu, o sujeito que estiver subindo a rampa do Planalto terá que fazer a mesma promessa ou algo muito semelhante, já que a fome é uma parte da questão, que envolve pobreza, desemprego, inflação, desigualdades.
É bem possível, pelos números de hoje, que quem vai subir lá seja o mesmo sujeito, cuja sina o aproximará da figura de um Sísifo moderno – aquele condenado pelos deuses a subir eternamente uma montanha carregando uma enorme pedra. Quando Sísifo chegava pertinho do cume do monte, os deuses desequilibravam a pedra e ela rolava morro abaixo, forçando-o a descer e começar tudo de novo. E assim ocorria de novo no dia seguinte, e no seguinte, até o final dos tempos.
Mais do que um Lula-Sísifo, o personagem principal dessa saga somos nós. Somos um Brasil-Sísifo, um país cuja independência completará 200 anos em 2022 e que não conseguiu resolver ainda seu pior problema social, a iniquidade, mãe da fome, da miséria e de tantos outros sofrimentos. Por certo tempo – pouco, é verdade – imaginamos ter virado essa página. Mas ela teima em voltar.
O atraso é bem mais veloz do que os avanços, e em pouco mais de dois anos o governo Bolsonaro não deixou pedra sobre pedra do sistema de proteção social erguido nos governos do PT. Corre agora atrás de um Bolsa Família turbinado com objetivos claramente eleitoreiros, mas é tarde demais. A solução não está mais ali, pois a pobreza transborda por todos os poros, no rastro do desemprego, na inflação, da fome e dos miseráveis que dormem ao relento nas grandes cidades.
A cada dia, temos mais provas de que estamos novamente diante de uma eleição presidencial que terá essa questão como fator decisivo, como apontou ontem a pesquisa Genial/Quaest. Segundo o levantamento, para 44% das pessoas, o maior problema do país hoje é a economia, um agregado que inclui desemprego e inflação também. A deterioração do quadro continua, exposta em cores mais vivas a cada dia, como nas imagens de pessoas catando ossos para se alimentar.
O problema é coletivo, da sociedade brasileira, e não só de quem cata ossos. Vai ficando claro que, ou conseguimos um mínimo de entendimento nacional para carregarmos juntos essa pedra até o alto do morro, ou da próxima vez em que ela despencar irá nos esmagar a todos.