Das etiquetadoras de preços ao código de barras, a inflação é a mesma

Lembra das maquininhas etiquetadoras nos supermercados dos anos 1980 e 1990, remarcando os preços sem parar? O som, assustador, lembra a volta do dragão da inflação

O Fundo Monetário Internacional (FMI) fez um alerta nos últimos meses do risco da economia mundial virar uma tempestade financeira no pós-pandemia em função de uma recuperação desigual entre países ricos e emergentes. A FAO, organismo das Nações Unidas, constatou um aumento médio em setembro de 33% nos preços dos alimentos, quando comparado com o mesmo mês em 2020, em um conjunto de países desenvolvidos devido à escassez de oferta e aumentos de custos de produção.

Os preços no Brasil, embora seja um país produtor de alimentos, entraram em uma escalada generalizada devido à desvalorização do real que, apenas em setembro, foi de 5,36%. Como os combustíveis, insumos importados e tudo o mais que não produzimos estão atrelados ao dólar, há um impacto significativo sobre os custos de produção das empresas, sem falar nos aumentos das tarifas administradas de energia elétrica, da água etc.

A desvalorização do real diante do dólar nos últimos anos vem reduzindo o poder de compra dos brasileiros no exterior e mais grave é que contribuiu para sancionar os reajustes de preços no mercado interno de produtos cujas cotações são formadas no mercado externo.

A escalada de aumento de preços nos supermercados me fez lembrar os anos 1980 quando os funcionários destes estabelecimentos comerciais passavam o dia remarcando preços em etiquetas coladas aos produtos. A inflação nos 12 últimos meses já está em 9,68%, quando deveria estar em 3,75%.

A alta dos preços pode ser vista em todos os postos de revenda de combustíveis – Foto: Orlando Brito

Os dados indicam que o Banco Central perdeu em 2021 a batalha no controle de preços, mesmo com elevação das taxas básicas de juros em 6,25%.

A autoridade monetária tinha também em suas mãos outros instrumentos, como o câmbio, para ajudar o alinhamento dos preços. O câmbio é um dos preços que influi na formação dos custos dos produtos da economia e na relação de troca na economia internacional. O BC poderia ter evitado em parte uma desvalorização do real vendendo no mercado parte dos US$ 370,5 bilhões das reservas do País. Ao invés de vender dólar no mercado em agosto, a autoridade monetária comprou US$ 14,7 milhões contribuindo para desvalorização do real. É verdade, no entanto, que no sistema de livre flutuação de câmbio outros fatores têm peso na formação da cotação da moeda: risco fiscal, crise política, fuga de capital, taxa de juros.

O enfrentamento deste processo inflacionário vai exigir uma política monetária restritiva com aumento ainda maior de juros, podendo chegar a dois dígitos como apostam economistas do mercado financeiro. Com juros desta magnitude pode haver um fluxo maior de ingresso de dólar no País com reflexo positivo sobre o câmbio.

Uma recuperação nas perdas do real diante do dólar teria impacto sobre os preços, uma vez que os produtos importados poderiam chegar às prateleiras dos supermercados contribuindo para o abastecimento em condições competitivas.

Os prejuízos que poderiam causar às exportações seriam remediados, tendo em vista que os itens de maior peso vendidos pelo Brasil são as commodities (soja, milho, ferro etc.), cujos preços tiveram aumentos em dólar.

O mercado decide

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o ministro da Economia, Paulo Guedes – Foto: Orlando Brito

O ministro da Economia, Paulo Guedes, segue com os fundamentos liberais ao pé da letra da escola de Chicago. O sistema de câmbio atual do Brasil é flutuante. O que significa que o BC não deve interferir no mercado de moeda em dólar para definir a taxa de câmbio, mas para garantir a funcionalidade deste mercado diante de situações graves. As operações de compra e venda de moeda estrangeira são realizadas entre o público, empresas e instituições financeiras autorizadas a operar pela lei da oferta e procura.

A autoridade monetária não está impedida de vender parte de suas reservas, sem colocar em risco a soberania do país, para fazer frente aos movimentos especulativos do mercado de câmbio. A operação contribuiria para segurar a inflação, redução da dívida bruta do Tesouro Nacional e até mesmo potencializar a contração da política monetária. Ao vender dólares, o BC estaria retirando reais da economia.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, tenta segurar a escalada inflacionária – Foto: Orlando Brito

Estamos com dificuldade de retomar o crescimento, mesmo com juros baixos e depreciação do real. Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central, terão que recorrer a outros instrumentos, além da política de juros, para estimular a economia a crescer. Sem um crescimento sustentável não haverá arrecadação de impostos suficientes para garantir equilíbrio das contas públicas, sem falar na importâncias de geração de empregos e renda.

Apenas para lembrar que durante no governo de Ronald Reagan, dos Estados Unidos, o dólar apreciou-se até 1985, por conta de um mix de uma política monetária altamente contracionista com uma política fiscal expansionista, associada ao aumento dos gastos militares e cortes nos impostos. Neste período, o déficit em conta corrente dos EUA aumentou muito, transformando a maior economia do mundo de credora à devedora líquida.

Deixe seu comentário