Quando líder do segundo Governo Dilma no Senado, em 2015, Delcídio do Amaral, diante das trapalhadas da presidente da República e do PT, fez um diagnóstico preciso sobre a sua turma de então: “É um Saci Pererê com Complexo de Centopeia”.
Um ano depois, resultado de tantos tiros no próprio pé, Dilma caiu. Michel Temer assumiu o ponto com ares de quem sabia como tocar. Quem assistia esse jogo de perto não esperava maiores mudanças.
Além de parceiros de chapa presidencial nas duas eleições que venceram, ambos estavam de acordo em promover, nesse segundo mandato, o ajuste fiscal na forma e tamanho exigidos pelo mercado. Ela, resignada; ele, fingindo convicção.
Mesmo com rusgas, alimentadas por ciumeiras bobas como as que envolveram Aloizio Mercadante, eles se faziam de parceiros nas relações com os políticos. Com o aval de Dilma, foi Temer quem montou o Posto Ipiranga, balcão para negociar verbas e cargos para assegurar o apoio da base parlamentar para o governo supostamente conjunto.
Dilma jamais se perdoará de ter entregue o mapa da mina a Temer. Mas, de um jeito ou de outro, o tombo dela era inevitável. Ela não tinha como ficar em pé depois de tantos tropeços nas próprias pernas.
Além do peculiar gestual com as mãos, Michel Temer se apresentava como alguém incapaz de cometer erros tão bobos. A tola cartinha para Dilma teria sido um ponto fora da curva. Sua gestão, portanto, seria a diferença entre um tarimbado político profissional e uma amadora que se deslumbrou a ponto de passar a perna em seu criador Lula e tentar reinventar o giro da roda.
Pois bem. No poder, o experiente Temer tem cometido erros capazes de corar até Dilma Rousseff. Sem falar nas confissões mal gravadas por Joesley Batista, Temer tem surpreendido pela sequência de deslizes.
Assim, ele já fez e refez várias coisas. Sobrou para ele apenas o desgaste. Não aprendeu sequer a lição. Sua última trapalhada foi assinar o decreto que acabou com uma reserva estratégia e emblemática na meiuca da Amazônia, sem ouvir ninguém, exceto vozes interessadas em seduzir- e lucrar – com mineradoras mundo afora.
Temer mexeu num vespeiro do tamanho do Espírito Santo sem nenhuma consulta à sociedade e à revelia do Ministério do Meio Ambiente. Ele que já havia pisado em outra bola, e recuado diante de um protesto puxado por Gisele Bündchen, no mínimo tinha que ter tido mais cuidado.
Até no recuo está errando. A nota de seu ministro das Minas e Energia, Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho, em que anuncia a suspensão dos efeitos do decreto é pura arrogância. Se escala como juiz do jogo, que vai arbitrar todas as avaliações. Deve ser fruto de seu DNA oligárquico em Pernambuco.
Bateu de frente com descendente de outra oligarquia mais recente, e também algo nociva na história do país, a dos Sarneys. Vale reconhecer que nessa contenda Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente, representa o melhor no governo Temer.
Em entrevista ao Valor, Sarney Filho deu um exemplar puxão de orelha no governo. Disse até que ainda continua lá a pedido das maiores OnGs que defendem o meio ambiente no país. Depois de expor as barbaridades do decreto presidencial, Sarney Filho lamentou que essa bomba caiu em meio a uma rara e excelente notícia, com repercussão aqui e no mundo todo, sobre a queda do desmatamento no Brasil.
Se a intenção era apresentar um mega ativo em seu pacote de vendas na China, foi um tiro no pé.
Com tudo que vem rolando no clima no mundo e aqui no Brasil, Temer, nem ninguém, pode mais, sem avaliações dos impactos ambientais e discussão com a sociedade, autorizar intervenções desse porte em nossa natureza.