Mesmo com seus 87 anos, José Sarney continua o mais ligeiro dos que seguem, passo a passo, o ritual dos juízes. Como de hábito, na posse de Luiz Fux na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ele puxou a fila dos cumprimentos.
Não por acaso. Sarney é singular. Incorporou em sua rotina no poder os mais variados rituais – velórios, enterros, batizados, casamentos, audiências, posses, solenidades, cerimônias …
É assim que surfa há décadas, de JK a Michel Temer.
Agregou a esse cabedal político o talento de se exibir como uma espécie de xamã, capaz de antecipar para aonde os ventos sopram nas instâncias superiores da Justiça. Virou oráculo.
Para seus colegas, caciques políticos, a serventia de Sarney é ainda maior.
Seus sussurros influenciam ações e omissões em todos os poderes da República. Até com seu silêncio, Sarney às vezes causa turbulências.
Ele jura, por exemplo, que não saiu de sua boca o veto à nomeação do desafeto Pedro Fernandes para o Ministério do Trabalho — pontapé inicial dessa chanchada estrelada por Cristiane Brasil.
Ao mesmo tempo em que se queimava nessa pelada provinciana, Sarney se apresentava como o principal fiador, nas hostes do MDB e adjacências, da aposta de que a candidatura Lula não seria barrada pela Justiça
Os votos e a sentença unânime dos três desembargadores do TRF-4, que condenaram Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, abalaram a confiança na garantia dada por Sarney.
Nem tanto pelo que ocorreu em Porto Alegre.
Mas, pelo impacto nos tribunais superiores, onde Sarney costuma nadar de braçada. Não são apenas viadutos e garagens que despencam em Brasília.
A impressão generalizada, inclusive entre petistas, é de que Lula não escapa da Lei da Ficha Limpa. Por mais que tente manter a pose, a prioridade mudou nos arraiais petistas. O esforço agora é para arranjar uma saída que livre Lula da cadeia.
Daí a mudança na estratégia de defesa.
Nos jogos decisivos em Brasília, sai o time do estridente Cristiano Zanim, um desgastado animador de torcida, que fracassou na ingrata tarefa de defender Lula e o seu sogro Roberto Teixeira.
Entra em campo Sepúlveda Pertence, perfil conciliador, deve apostar no sucesso de uma equipe mais discreta. Além de suas credenciais de advogado, procurador e ministro do STF, Pertence tem bom diálogo com ministros de todos os tribunais superiores.
Não por acaso, logo atrás de Sarney, que o nomeou ministro do STF, Pertence foi o segundo na fila do beija-mão na posse de Luiz Fux no comando da Justiça Eleitoral.
A escolha de Sepúlveda Pertence teve também o dedo do advogado Sigmaringa Seixas — amigo comum e conselheiro de Lula, com igual bom trânsito na cúpula do Judiciário.
Sarney, Sepúlveda e Sigmaringa têm dois grandes desafios pela frente.
Um deles é driblar a Lei da Ficha Limpa, e pôr Lula no páreo eleitoral, objetivo considerado improvável até por petistas.
O outro é livrar Lula da cadeia. O caminho seria um arranjo no STF para revisar a própria jurisprudência de que a pena possa ser cumprida a partir da condenação em segunda instância.
A conferir.