O medo das investigações judiciais sobre os malfeitos de seu clã virou uma paranoia para Jair Bolsonaro depois que ele mesmo virou alvo de denúncias de Sérgio Moro, escolhido como superministro com a delegação de dar o aval ético a seu governo. Por causa desse desespero, ele atropelou negociações nos bastidores dos poderes em Brasília para que baixasse a bola em troca da salvação de seu governo. Pôs inclusive as Forças Armadas na berlinda.
Sua opção por chutar o balde e ameaçar um confronto com outros poderes, confiando no apoio que teria no baixo oficialato militar, e na pressão sobre generais da ativa e da reserva, não tem a menor chance de dar certo. Essa ilusão de um autogolpe, alimentada por robôs nas redes sociais e uma pequena militância insana nas ruas, não tem apoio real na sociedade e em nenhuma instituição.
Bolsonaro até consegue sensibilizar alguns setores, inclusive militar, com suas queixas de que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal tolhem o mandato que obteve nas urnas para governar. Ele está cansado de saber que isso faz parte do jogo. Não foi eleito ditador, mas presidente da República que, pela Constituição, tem que dividir as decisões com outros poderes. Se não está satisfeito que busque apoio para reverter os resultados.
O que é falta grave nesse jogo é ameaçar os outros poderes, constranger as Forças Armadas, e interferir em órgãos do Estado, como a Polícia Federal e a Receita Federal, para assegurar impunidade para si e a sua família. Cabe à Justiça decidir se cometeram ou não crimes.
A história recente mostra que essa conversa fiada de ganhar no grito, com o apoio de fanáticos, incomoda e faz muito barulho, mas com pífios resultados. Se não recuar outra vez, ouvindo conselhos sensatos, Bolsonaro colocará de vez o país numa encruzilhada em plena pandemia do novo coronavírus. E se ele for para o tudo ou nada, não tem como não receber um cartão vermelho.
Segundo a apuração de Igor Gielow, da Folha de S. Paulo, Bolsonaro estudava nesse fim de semana nomear outra vez Alexandre Ramagem para a Diretoria-Geral da Polícia Federal, atropelando a decisão do STF. Optaria pelo confronto em vez de tentar, como estabelece as regras democráticas, um recurso ao próprio Supremo Tribunal Federal. Tão grave quanto isso, Bolsonaro estaria decidido a demitir o comandante do Exército, Edson Leal Pujol, por resistência a maluquices como a negação da pandemia e ao envolvimento político da Força que comanda.
Bolsonaro resolveu falar grosso depois de uma reunião com ministros e comandantes militares no sábado (2). Saiu com a impressão de apoio para confrontar outros poderes, especialmente o STF. Não foi bem assim, segundo oficiais que participaram do encontro. Ele efetivamente teve solidariedade a suas queixas de que ministros do Supremo estão dando a palavra final em decisões e atos que, segundo a Constituição, são prerrogativas do Executivo. Nada além disso.
A repórter Tânia Monteiro, do Estadão, referência jornalística na cobertura militar, conta que oficiais-generais influentes avaliam que Bolsonaro tentou fazer uso político do capital das Forças Armadas. Um deles foi taxativo: “Ninguém apoia aventura nenhuma, pode desmontar essa tese. Estamos no século 21”. Outro foi mais fundo sobre a citação às Forças Armadas nas ameaças de Bolsonaro. “É uma declaração de quem não conhece as Forças Armadas. O problema é que deixa ilações no ar. Afinal, não há caminho fora da Constituição”. Em outras palavras, o recado do pessoal da ativa é: capitão, tome tenência!
Até a turma da reserva, que costuma ser mais sensível à insensatez de Bolsonaro, reagiu duro. O general Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do GDF e sempre é apontado como um golpista de quatro costados, bateu pesado: “O presidente está enganado, está interpretando do jeito que ele quer. As Forças Armadas jamais vão entrar numa aventura”.
Se é mais um delírio matinal, blefe ou o quer que seja, só revela o receio crescente de Bolsonaro contra investigações judiciais. Esse pavor fez com que cometesse o erro crasso de pressionar seu ministro da Justiça, um juiz federal de profissão, a trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro por alguém de sua confiança, com quem pudesse trocar figurinhas sobre investigações judiciais sigilosas.
Como esse atalho não deu certo, optou por outro mais complicado. Demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, por um delegado da sua confiança que abrisse o caminho para ele bisbilhotar as investigações no Rio de Janeiro. Inclusive as que podem complicar seus enrolados filhos. Deu ruim.
Nem salvou os filhos e pôs seu próprio pescoço a prêmio. As oito horas de depoimento do ex-ministro Sérgio Moro à Polícia Federal, em que metodicamente entregou provas e mostrou o caminho das pedras para comprovar suas denúncias contra o presidente, deixaram em pandarecos os nervos do clã Bolsonaro.
Daí o desvario durante a manifestação nesse domingo de manhã em Brasília. Resta saber o que efetivamente vai fazer depois dos desafios e ameças a outros poderes. Se for como no últimos fins de semana, baixa o tom às segundas-feiras.
A conferir.
PS: Total repulsa às agressões da insana militância bolsonarista nesse domingo a Orlando Brito, a Dida Sampaio e a outros profissionais a serviço do jornalismo que estavam trabalhando e orgulham os jornalistas profissionais. Nós, jornalistas, temos sido sistematicamente hostilizados nessas manifestações que pregam a volta da ditadura. É isso, presidente Bolsonaro, que passou de todos os limites.