Quando ficava muito irritado com os políticos, avaliando que estavam esticando em excesso a corda da abertura política, o presidente João Figueiredo ameaçava chamar o “Pires”. Pires era o general Walter Pires, então ministro do Exército, tido como linha dura entre os militares que assessoravam o general-presidente. Às vezes surtia efeito. A ala mais moderada da oposição, Tancredo Neves à frente, fazia ponderações e Ulysses Guimarães conseguia baixar o tom de seus aliados mais aguerridos.
João Figueiredo foi o último general-presidente, que, aos trancos e barrancos, presidiu o país na derradeira etapa da ditadura militar. Desde a redemocratização do país, em 1985, foram civis todos os inquilinos que sucederam Figueiredo no Palácio do Planalto. A partir de primeiro de janeiro, quem exerce o cargo é o capitão do Exército Jair Bolsonaro, vitorioso nas eleições presidenciais de 2018.
Ele mal sentou na cadeira e passou a administrar crises políticas, causadas pelo chamado fogo amigo. As mais sérias provocadas por seus próprios filhos – as contas mal explicadas pelo primogênito e hoje senador Flávio Bolsonaro em seus mandatos como deputado estadual e os sucessivos barracos armados pelo vereador Carlos Bolsonaro, o fio mais desencapado do clã, ao desancar alguns dos principais aliados de seu pai.
A mais recente crise política foi a fritura publica, em alta temperatura, do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno. A maneira escancarada com que o fogo foi atiçado, com a divulgação de um áudio com parte de uma conversa presidencial reservada, chocou estrelas da nova e da velha política, inclusive o time de generais do Palácio do Planalto.
Desde a campanha eleitoral, Carlos Bolsonaro, que se considera com alguma justiça quem mais ajudou o pai a vencer as eleições, de vez em quando trombava com Bebianno. Em novembro, na discussão sobre quem comandaria a comunicação do governo, a relação desandou de vez. Carlos esperava ser ungido ao cargo como reconhecimento de seu desempenho nas redes sociais. Após anunciar que a comunicação do governo ficaria sob suas asas, saber do desagrado do filho 002, Bebianno tentou consertar em uma entrevista coletiva: “A Secom será tratada com Carlos Bolsonaro. Ele sempre esteve à frente da comunicação e é uma pessoa importante para a equipe e o presidente”. Em vez de selar a paz, provocou ainda mais a ira de Carlos Bolsonaro, que rejeitou a bandeira branca.
Gustavo Bebianno resistiu aos ataques do pit bull dos Bolsonaros e se tornou ministro em uma pasta desidratada. Carlos teve que engolir. A notícia da da Folha de S. Paulo, no último domingo, sobre o envolvimento de Bebbiano no caso do laranjal no PSL durante a campanha eleitoral soou como apito de um penâlti a favor de Carlos. Ele aguardou Bebbiano se posicionar para a defesa e chutou forte em seu flanco mais vulnerável – supostas três conversas com o presidente da República. Fez um desmentido, incluindo o áudio do presidente. O pai endossou o ataque do filho.
Parecia fatura liquidada. Mas Bebianno, estimulado pelas alas militar e política do governo, recorreu ao árbitro de vídeo. E o presidente Bolsonaro, que avalizara o penâlti a favor do filho, se viu com a batata quente nas mãos, e teve que chamar o ministro Sérgio Moro para arbitrar a questão, avisando que, se o resultado fosse desfavorável, Bebianno seria expulso do jogo.
Ao chamar Moro para desvendar supostos crimes de seus assessores, Bolsonaro quebrou dois tabus em uma só tacada. Colocou em risco a prerrogativa presidencial de, por qualquer motivo ou até sem motivo algum, demitir seus auxiliares diretos e alçou Moro a condição de xerife dos colegas na Esplanada dos Ministérios. E no próprio Palácio do Planalto.
Uma mudança e tanto. Desde o começo da Operação Lava Jato, Moro com o célere avanço das investigações causou crescente temor no Planalto e no Congresso e incômodo em parte do Supremo Tribunal Federal. As gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer conspiraram com os caciques políticos e alguns ministros do STF para cortar as asas de Moro e dos investigadores da Lava Jato.
No Senado, sob a batuta de Renan Calheiros, ocorreram várias articulações para barrar o trabalho da Lava Jato e de outras investigações sobre corrupção política. Moro ali era persona non grata. Curioso é que dias depois da derrota de Renan na tentativa de presidir o Senado pela quinta vez, tendo com bandeira ser um contraponto de Moro, o ministro da Justiça de problema virou solução. Além da convocação de Bolsonaro para apurar o suposto envolvimento de Gustavo Bebianno com o laranjal do PSL, Moro está sendo chamado para resolver outra encrenca: a tal fraude na eleição para a presidência do Senado em que Renan desistiu da disputa antes mesmo da apuração dos votos.
Após um apuração preliminar, com o exame de milhares de imagens, a Corregedoria do Senado manteve como suspeitos apenas seis dos 81 senadores. O senador Roberto Rocha, chefe da Corregedoria, resolveu pedir ajuda a Sérgio Moro para desvendar se houve mesmo fraude e quem foi o suposto fraudador, o senador que colocou as duas cédulas a mais na urna de votação.
Ao trocar a toga de juiz pelo cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, Sérgio Moro fez uma aposta arriscada. Nas previsões de políticos, burocratas, juízes, advogados e outros poderosos no pedaço, seria difícil sua adaptação no mundinho de Brasília. Pouco mais de um mês no cargo, ele conseguiu tirar do papel algumas das controversas promessas de campanha de Bolsonaro, como novas regras para a posse de armas e endurecer o regime nas penitenciárias federais.
Depois de ser acionado para resolver pepinos no Planalto e no Senado, só falta ser chamado para apartar as escaramuças públicas entre juízes do Supremo.
A conferir.