Há um ano, em 31 de dezembro de 2018, a mídia tratava dos preparativos da posse de Jair Bolsonaro. Alguns reportavam preocupações com a segurança, a Folha de S.Paulo trazia na manchete pesquisa segundo a qual a maioria dos brasileiros não apoiava a flexibilização do uso de armas, O Globo dizia que o novo presidente teria 100 dias para fazer seu governo deslanchar, todos informavam que Michel Temer desistira de assinar o decreto presidencial do indulto naquele ano — até porque o novo presidente dizia que não daria indultos. Ninguém estava preparado para o que viria.
Um ano depois, o novo presidente não só deu indulto, como foi muito além do que quis Temer ao incluir no seu alguns condenados por corrupção: seu sucessor contemplou policiais, militares e agentes de segurança que atiraram e mataram quando estavam em serviço. Apesar da oposição da maioria da população, facilitou o porte e a posse de armas — e teria feito mais pelo armamento geral se não tivesse sido impedido pelo Congresso.
A questão da segurança é café pequeno diante de tudo o que (não) aconteceu no ano que passou. O crescimento de 2,5% da economia previsto pela equipe econômica que se preparava para assumir não veio, nem as privatizações prometidas e nem a tal “facada” no sistema S. Os primeiro 100 dias não trouxeram maiores realizações, e a reforma da Previdência — a rigor, a única aprovada — levou quase 300 dias para sair. Saiu, mas não teve os efeitos imediatos preconizados por alguns.
Não sei se o que mais chocou foi o desmantelamento da educação, ou o da saúde, ou o da cultura. Ou o esvaziamento da maioria dos programas sociais. Sobrou o Bolsa Família, que talvez tenha escapado da “reformulação” bolsonarista por seu inegável peso político e eleitoral. Mas o número de miseráveis se multiplica a olhos vistos, e é evidente que, em pouco tempo, o programa não dará conta de atender toda essa população. O emprego, esperança de muitos, também não veio — a não ser sob a forma de sub-emprego não formalizado e com baixíssima remuneração.
Há um ano, Bolsonaro batia continência para Bibi Netanyahu e prometia transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém — essa, ainda bem que não cumpriu. Gustavo Bebianno era citado pela mídia como uma espécie de eminência parda do novo governo, com assento no Planalto. É bem verdade que o general Augusto Heleno, aquele que, segundo as opiniões gerais iria “controlar”o ex-capitão com seus sábios conselhos, já dava sua primeira escorregada ao dizer que ter uma arma era a mesma coisa que ter um carro…
Foram 12 meses surpreendentes, e o comportamento do presidente da República — a instabilidade, a insensatez, os recuos decisórios, a brutalidade virtual dos filhos e o palavreado — deveria ser, para a maioria, o mais espantoso. Não é. O que se destaca, nessa virada do primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, é a passividade da maioria dos brasileiros — o que pode parecer um paradoxo diante da radicalização que vemos nas redes e nos nichos mais truculentos.
Mas parece ser assim. Os menos favorecidos sofrem com o desemprego, a desigualdade crescente e o corte de programas sociais, mas parecem entorpecidos demais para reagir e ir às ruas protestar.
E os ricos e não tão ricos assim? Não têm do que se queixar de alguém que governa sobretudo para eles. Mas parecem ter perdido o verniz civilizatório de outros tempos e trocado a defesa de valores políticos, sociais e humanitários pela promessa de que, sob o bolsonarismo, algum dia a economia voltará a crescer. Será?
Parece um processo muito semelhante àquele descrito por Hannah Arendt no seu espetacular conceito de “banalização do mal”, em que tratou da forma como burocratas e pessoas comuns participaram das atrocidades cometidas pelo nazismo.
Estão todos anestesiados, e é certo que quando (e se) a economia voltar a crescer e vier a prosperidade (para alguns), os integrantes dessas elites terão aprendido a viver sem os valores do humanismo e da solidariedade.
Ainda assim, Feliz Ano Novo.