O confuso voto de desempate do presidente do Dias Toffoli gerou mais dúvidas do que certezas. Definiu a vitória da ala favorável a que condenados a prisão só possam cumprir a pena após todos seus recursos terem transitados em julgado na última instância. Mas não endossou o argumento central dessa corrente vitoriosa: esse trâmite seria o cumprimento de expresso mandamento constitucional. Pelo contrário, talvez tenha sido o ministro que mais detonou a tese que, com seu voto, saiu vitoriosa desse novo embate no STF.
Foram frases fortes. Disse que o momento da prisão nada tem a ver com a presunção de inocência. “Não vejo na prisão uma cláusula pétrea”. Reiteradas vezes, às vezes de maneira exageradamente didática, Toffoli afirmou que, em vez do texto constitucional, seu voto se baseava no escrito pelos legisladores no artigo 283 do Código de Processo Penal. Ali está dito que prisão, fora de medidas cautelares, só após o trânsito em julgado.
O voto de Toffoli colocou uma saia justa em variados aliados. Antes da conclusão do julgamento, Rodrigo Maia pregava cautela e dizia que o Congresso não deveria partir para um confronto com qualquer decisão do STF. Quem agora chamou o parlamento para dar uma palavra final nessa longa controvérsia foi o próprio Toffoli, parceiro de Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro no acordão para cortar as asas da Lava Jato. O presidente do Supremo formou, também, uma maioria no tribunal contra a interpretação de que o cumprimento da pena de prisão só após o trânsito em julgado seria uma cláusula pétrea da Constituição. Antes dele, outros cinco ministros — Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia — já haviam firmado esse mesmo entendimento.
Em seu voto — e no recado reiterado na entrevista coletiva após o encerramento da longa sessão do STF –, Toffoli deixou claro que não é preciso, para rever a nova decisão do Supremo, a complicada tramitação de uma emenda constitucional no Congresso. Basta alterar o artigo 283 do Código do Processo Penal, o que é bem mais simples e factível para as bancadas na Câmara e no Senado que dizem apoiar a manutenção da prisão após a segunda instância. Pelo menos em abaixo-assinados, eles indicam ter votos suficientes para aprovar a mudança.
O longo voto de Toffoli, que abordou outras variadas questões que afligem a Justiça, como o Tribunal do Juri, surpreendeu alguns de seus interlocutores. A previsão era de que, em um voto sucinto, ele liquidasse a fatura. Foi muito além disso. Na proclamação do resultado, também modulou a votação. Disse que, no cômputo geral, vale o que foi estrito em cada um dos votos. Assim, o parecer do relator Marco Aurélio Mello, que previa a aplicação imediata da decisão com a soltura dos milhares de eventuais beneficiados, deixou de valer nesse item crucial. Agora, antes os depois da publicação do acordão ( daqui uns 50 dias), caberá a cada juiz ou tribunal que pronunciou a sentença dar sequência à nova decisão do STF. Podem, inclusive, como enfatizou o ministro Alexandre de Moraes, transformar a sentença para começar a cumprir a condenação em prisão preventiva.
Antes mesmo que esses detalhes relevantes fossem explicitados, houve uma comemoração algo precipitada na cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba em que Lula cumpre a pena, por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do Tríplex do Guarujá. Ali, Gleisi Hoffmann, Paulo Okamoto e João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST, fizeram planos para a saída de Lula da cadeia. Marcaram para o dia 21 de novembro, menos de 15 duas, Lula participar de uma pelada com o MST em Guararema, município de São Paulo.
Ao deixar o prédio da PF, por volta das 18 horas, ainda durante o longuíssimo voto de Celso Mello, Gleisi Hofmann estava otimista. “Tire essa foto porque vai ser a última aqui”. Rosângela da Silva, a Janja, namorada de Lula, postou no Twitter: “Amanhã eu vou te buscar! Me espera”. Pela decisão do STF, a data da soltura de Lula dependerá da juíza Carolina Lebbos, da Vara de Execução Penais do Paraná, que não tem prazo para decidir.
Pelas redes sociais, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, autor de uma das ações vitoriosas,e advogado de vasta clientela flagrada pela Lava Jato, também comemorou a mudança de jurisprudência do STF. “Felizmente conseguimos hoje significativa vitória em nome da sociedade, da democracia e em respeito à Constituição. Quem já tiver o direito à liberdade, por estar preso em razão de uma decisão condenatória em segundo grau, tem que ser imediatamente solto”. Como previsível, a força tarefa da Laja Jato em Curitiba reclamou. Repetiu que a mudança de jurisprudência é um estímulo à impunidade dos poderosos.
A questão central é que, ao pautar as três ações, o STF acenou que, depois de tantas idas e vindas, dessa vez sairia uma jurisprudência duradoura para valer em todas as instâncias judiciais. As brechas deixadas nos votos, principalmente a alameda aberta no desempate de Dias Toffoli, não tiram o problema de cena. Só muda o cenário. A frente de batalha agora vai ser na Câmara e no Senado.
A conferir.