A indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) para embaixador do Brasil junto ao governo de Washington está provocando espanto generalizado. Desde os grotões das militâncias políticas até os plenários das câmaras legislativas e do Supremo em Brasília a notícia assombrou adversários e correligionários.
Tamanha surpresa deve-se ao estapafúrdio inesperado.
Sua indicação ficou tão polêmica mais por ser filho do presidente da República, Jair Bolsonaro, do que pelo fato de não ser diplomata de carreira. Nestes tempos de moralismo exacerbado, como integrante de um governo autoproclamado como de austeridade intransigente, o pai dar cargo a filho é surpreendente
Nestes tempos de guerra aberta ao nepotismo, mais ainda.
Políticos, empresários, intelectuais e generais já chefiaram missões diplomáticas importantes. Nos Estados Unidos, o cargo de embaixador é publicamente encarado como uma prerrogativa do presidente da República, muitas vezes como retribuição por um apoio importante na campanha.
Aqui é diferente. Além disso, o atual governo abriu uma temporada de caça às bruxas e logo vem com uma proposta que seria denunciada ferozmente pelo pai do deputado na tribuna da Câmara, se fosse em passado recente.
Em Washington, o Brasil já teve embaixadores famosos que não vieram da carrière (como se chama a carreira diplomática, último reduto do falecido francês). Walter Moreira Salles, poderoso banqueiro (fundador do Unibanco, hoje associado ao Itaú), foi o embaixador na corte de Tio Sam.
O mais famoso de todos, Osvaldo Aranha, poderia, não fossem grandes diferenças, ser lembrado como uma escolha inesperada, mas se consagrou como o maior diplomata brasileiro de todos os tempos junto à Casa Branca. Estaria o Zero 3 (apelido caseiro de Eduardo) procurando espelhar-se nele?
Osvaldo Aranha chegou a Washington como um político obscuro do então remoto Brasil (capital Buenos Aires na geografia dos desentendidos). Em 1934 seu currículo era mais rico em tropelias nas guerras civis do Rio Grande do Sul da década de 1920, quando era comandante do 3º Corpo Provisório de Alegrete da Brigada Oeste, milícia associada à Brigada Militar do Rio Grande do Sul, que combatia rebeldes de várias extrações nas coxilhas do belicoso estado sulino.
Ninguém imaginaria que 15 anos depois aquele caudilhete sul-americano seria festejado como um dos diplomatas mais famosos do planeta, presidente da assembleia geral das Nações Unidas, articulador das negociações que criaram o Estado de Israel, líder da América Latina do rompimento com o Eixo (somente Argentina e Chile se recusaram a declarar guerra a Hitler) e, mais que tudo, amigo e confidente do megapresidente Franklin Roosevelt. Estaria o Zero 3 pensando nesse exemplo?
Aranha era visto em Washington como um caudilhete sul-americano, vindo dos confins de uma fronteira longínqua. Bolsonaro, antes de chegar ao Congresso, era um escrivão de polícia num posto da remota fronteira amazônica.
Os dois, Aranha e Zero 3, são graduados na Faculdade de Direito da federal do Rio de Janeiro. Seria uma comparação?
Daí em diante as biografias tomam rumos diferentes. Antes de se refugiar nos confins do Rio Grande, Aranha, neto da Baronesa de Campinas, da família Souza Aranha, fez pós-graduação em Paris, foi prefeito, deputado estadual, deputado federal e chegou ao Rio frente a tropas rebeldes da Revolução de 1930.
É verdade que foi um ministro da Fazenda estouvado, decretando uma moratória desnecessária que atrapalhou a vida financeira do país até 1939.
O jovem Zero 3 também chamou atenção do presidente americano. Bolsonaro já vinha procurando situar-se no campo da política externa.
Na Câmara, com sua votação espetacular, emergiu do baixo clero para a presidência da Comissão de Relações Exteriores com a marca de dois êxitos na coronha do revólver: um afago público do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que rompeu o protocolo para destacar o “príncipe” brasileiro, e, não menos importante, emplacou a nomeação de um ministro do Exterior improvável, Ernesto Araújo, um diplomata desconhecido tirado do bolso do colete.
Outro filho de presidente, Lutero Vargas, foi embaixador em Honduras, mas não foi nomeado pelo pai. Ter filhos embaixadores seria o a único paralelo entre Jair e Getúlio,
neste assunto.
Isto para lembrar, como dizia o velho Karl, que a história não se repete, a não ser como farsa. Esta indicação apenas aventada, ainda não se concretiza nem mesmo como proposta.
Terá de vencer batalhas judiciais e políticas, para ter, antes de tudo, o agrément dos Estados Unidos, depois as impugnações legais no Brasil e a aprovação no Senado. Com tantas barreiras a vencer, este fato parece, efetivamente, um bode amarrado no salão azul do Senado.
Na hora H o presidente manda outro nome e, pronto, acabou-se a celeuma. Enquanto atrai o fogo inimigo, Eduardo estará na crista da onda. Bom lugar para chamar a mídia num cenário que tem eleições à frente. Joice Hasselmann que se cuide, pois a vaga na prefeitura de São Paulo ainda está em aberto.