Superar a crise institucional é mais importante que resultado das eleições

Virou lugar comum afirmar que o ano de 2018 já estaria perdido e que restaria esperar que o bloco político ungido nas eleições de outubro próximo venha a ter capacidade de reorganizar o país e prepará-lo para deixar para trás o período de instabilidade política e institucional que nos imobiliza nos últimos anos. Do ponto de vista do crescimento econômico, o governo eleito teria a legitimidade para propor as mudanças necessárias para superar a crise de confiança que estaria na raiz da debilidade da recuperação do nível de atividade.

Essa narrativa pode fazer sentido, mas é preciso matizar melhor o que se encontra em jogo para, mais uma vez, não vender ilusões. Não vai ser fácil conferir um mínimo de estabilidade institucional e coesão interna para retirar o país da atual situação de entropia.

A ponte que ruiu

Não esqueçamos de que o governo atual, com o respaldo estridente da banda de música da imprensa e do mercado financeiro, dava como certo que o programa de reformas e de ajuste fiscal sintetizado no documento Uma Ponte para o Futuro conduziria à redenção do país.

Dois anos depois, vimos que não foi bem assim. Pelo contrário, continuamos nos afundando mais e mais na crise política e institucional, com evidentes implicações na vida econômica. Há quem defenda, em simplismo exacerbado, de que a transição conduzida pela dupla Temer-Meirelles não foi bem sucedida porque a gravação da JBS comprometendo pessoalmente o presidente da república em denúncias de corrupção jogou por terra as condições de promover as reformas propostas.

O que em outras palavras essa linha de argumentação está afirmando é que a implantação das reformas previstas no documento citado imporia a distribuição de perdas que o ajuste fiscal exigiria, superando a situação de impasse, como também definiria as condições de sustentabilidade fiscal no médio e longo prazo e estabeleceria regras de regulação econômica mais amigáveis ao mercado. Depois de um período delimitado de purgação, mais dolorosa para uns do que para outros, o paraíso estaria logo ali na frente: a economia retomaria o crescimento e o emprego voltaria a se expandir, conferindo legitimidade e apoio ao plano de transição. O padrão raso dessa perspectiva indica não apenas o quanto os economistas podem ser prepotentes, como reflete os equívocos a respeito da gravidade da crise institucional em que estamos enredados.

Crise institucional

 

Presidente Michel Temer e o ex ministro da Fazenda, Henrique Meirelles

O fracasso do plano Temer-Meirelles não foi em vão. Afastada a abordagem mais simplista, que procura reduzir a dinâmica social, política e institucional à dimensão de mercado, vão assentando posições mais refletidas sobre a natureza da nossa crise e, por conseguinte, dos caminhos de sua superação.

Foram ganhando maior presença na grande imprensa manifestações de articulistas revelando preocupações com os embaraços institucionais em que fomos nos enredando e que criaram disfuncionalidades não apenas na operação da economia, como também no sistema judicial e nos mecanismos de controle de despesa pública.

Tais disfuncionalidades decorreram, em sua essência, da proposição de soluções ad hoc para problemas que ganhavam visibilidade, como os desvios nos gastos públicos e a disseminação de conluios entre políticos e agrupamentos empresariais. Na busca de enfrentar tais desvios, atropelou-se a constituição federal, judicializou-se a política, desequilibrou-se a relação entre os poderes e fez-se pouco caso dos direitos individuais, conferindo inclusive mais instabilidade nas relações contratuais e não mais segurança institucional como o funcionamento dos mercados demanda.

As eleições são sim uma oportunidade para o país buscar retomar o rumo do desenvolvimento econômico e social, o que pressupõe equacionar a distribuição dos custos dos ajustes econômicos. Mas isso não é automático. É uma construção política. Apostar no retrocesso institucional em nome do reequilíbrio fiscal e do combate à corrupção é uma opção equivocada e uma conta que em parte cabe aos economistas.

*Ricardo Lacerda é professor de economia da Universidade Federal de Sergipe

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