Nos tempos de Ulysses Guimarães, toda vez que a Justiça contrariava alguma decisão política, as “Excelências” sacavam imediatamente da mesma frase feita: “Decisão judicial não se discute; decisão judicial se cumpre”. De algum ponto do mar de Angra dos Reis, onde desapareceu, Ulysses hoje observa o passar de um tempo onde nada merece mais discussão do que decisão judicial. Às vésperas de uma das decisões judiciais com maiores consequências para o desenrolar da nossa realidade política, eis aí uma das nossas tragédias: como cumprir decisões judiciais discutíveis?
A essa altura do campeonato, o que menos parece interessar no caso do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é se ele de fato recebeu ou não propina da empreiteira OAS. Se o tríplex no Guarujá era ou não o produto dessa propina. Se há ou não provas que possam levar os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) a condenar Lula. Qualquer que seja a decisão, as torcidas já estão postas na arquibancadas e nada vai ser capaz de alterar suas certezas e convicções: quem acha que Lula é inocente, continuará achando; quem acha que Lula é culpado, também.
O problema é que tais convicções adentraram o terreno da paixão, muito, muito longe do equilíbrio e da racionalidade. E, no caso do funcionamento da Justiça e dos demais poderes da República, muito pouca coisa pode ser mais perigosa que isso. Seja qual for a decisão tomada pelo TRF4, haverá reações contra ela. A decisão será discutida. Será contestada. Convulsionando ainda mais este Brasil já tão convulsionado. A solução, amigo, adie-se para um capítulo seguinte. E só Deus sabe o tamanho que terá toda essa novela…
O que torna toda a questão ainda mais complicada é que a própria Justiça tem responsabilidade na produção desse tempo em que decisão judicial se discute. As ácidas discussões dos ministros Gilmar Mendes e José Roberto Barroso, por exemplo, são parte disso. Se o Supremo Tribunal Federal politizou ao nível das discussões entre Gilmar e Barroso as suas sessões, como pedir mais equilíbrio do restante do Judiciário para baixo?
Os debates que chegam quase às vias de fato no Supremo são hoje meramente técnicos? Não sendo eles técnicos, é possível cobrar que sejam técnicos os debates no Superior Tribunal de Justiça (STJ)? Nos Tribunais Regionais? As decisões de cada juiz? Por outro lado, não sendo técnicos como deviam, como esperar que tais decisões sejam respeitadas? Não respeitadas as decisões judiciais, o que sobra? A lei do mais forte? O caos?
O TRF4 julgará um homem correta ou incorretamente – aqui não se pretende entrar nessa discussão – elevado por alguns à condição de mito. Que lidera as pesquisas eleitorais para o pleito presidencial de outubro. Que parece disposto a discutir até o fim a decisão que contra ele for tomada. Que tem uma militância ainda mais disposta a levar a cabo essa discussão. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), chegou a dizer que, para prender Lula, teriam que matar alguém.
É nesse clima que o julgamento se aproxima. As águas de Angra dos Reis nunca foram plácidas. Se ficarem ainda mais encrespadas nos próximos dias, talvez seja o dr. Ulysses…