O vilão do dia é os atrasados dos Refis e as próprias taxas e contribuições retidas que os empresários devem para o governo e, com isto, estariam sabotando o ajuste fiscal do Dr. Henrique Meirelles, com a cumplicidade do Congresso Nacional. Isto é o que se entende do noticiário que os telejornais trombeteiam todas as noites.
Refis é um dinheiro que não existe. Refinanciamento Fiscal, ou seja: um prazo para pagar atrasados e regularizar a situação de empresas.
Essas dívidas são de contribuições, taxas, tributos e multas que as pessoas jurídicas deixaram de recolher e agora o erário vem atrás. Não tem nada escondido como nos caixas dois, vendas sem nota e outras formas de burlar o fisco. Aqui são dívidas reconhecidas e carimbadas. Só que o dinheiro não tilintou nos cofres públicos.
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Não é a primeira vez que isto acontece, pois desde que foi criado, no ano inaugural do Século XXI, a cada rodada de ressarcimento negociado vêm empresas pedindo reconsiderações e mais prazo, pois se não dá para negar as dívidas, também não há como quitar sem muitas dores, quais sejam, desfazer-se de bens, demitir empregados, aumentar dívidas em outras pontas, como débitos em bancos ou outros credores, tais como não recolher descontos por dentro para estados e municípios.
É um beco sem saída. Se o governo aperta, milhares de empresas vão para a UTI, deixando de produzir e dar empregos; se o governo dá a tradicional anistia, vem a gritaria. Os bons contribuintes se sentem punidos, diz-se.
Em geral estes passivos cobertos pelo Refis vêm de um desvio administrativo que começa numa folha de salários e se converte numa bola de neve que vai cobrindo tudo, mês a mês, ano a ano. Nestes casos não se fala de grandes empresas, mas de médios e pequenos. Aí é que está o problema submerso.
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A narrativa (baseia-se em estudos de entidades): Uma metalúrgica com 100 empregados ou pouco menos. Não se fala de uma fábrica na Via Anchieta, mas de um galpão reformado situado numa rua decrépita no interior do ABC.
O dono e seus sócios, na década passada, embalados por mais de uma década de estabilidade, regularizaram a situação trabalhista de seus operários (parte era informal) para ter todas as certidões em dia e habilitar a firma aos programas de financiamento a juros baratos que finalmente chegavam aos pequenos empreendedores.
Compraram alguns tornos novos, aumentaram a produção, reformaram o galpão, contrataram trabalhadores. Crescimento econômico.
Agora vamos à corrente de transmissão da inadimplência:
Tudo bem. O país cresce há anos. Notícias de ventos contrários são alarmismo da imprensa e de políticos derrotados.
Até que um dia o cliente pede prazo para pagar, diz que o mercado está se retraindo. Apertou-se.
Nosso pequeno industrial se surpreende. Ele é transformador, produtor de bens intermediários. Metalurgista. Espreme daqui e dali. Mas a pequena queda se acentua, o pedido vem menor.
Nessa fase, chega o fim de mês. Sua liquidez não basta para pagar seus compromissos. Vai ao banco; tem crédito, tira um empréstimo para capital de giro, curto prazo, juros em alta.
Reduzem-se os pedidos. Despedida de trabalhadores. Na fábrica os operários começam a andar de costas para as paredes. O sindicato vem em cima. Nesse meio empresarial os sindicatos são muito fortes, intimidam. O empresário recua.
Vai ao banco. O gerente (sim, é o gerente da agência suburbana, não os plutocratas da Avenida Paulista identificados nos noticiários como “os bancos”) está inseguro. Ele está vendo seu ambiente deteriorar-se. Não é mais tão fácil empinar um papagaio.
É preciso protelar vencimentos. Primeiro pede prazos aos fornecedores; em seguida atrasa pagamentos. Ameaça de ficar sem matéria-prima. Alguma coisa tem de ser sacrificada.
Com a mão-de-obra nervosa, o sindicato em cima, prioriza a parte do empregado pagando a folha. As obrigações patronais ficam para depois.
Chega o fiscal, vê as contas, bota correção monetária na dívida e aplica a multa. Pronto está rolando a bola de neve.
Na fábrica algumas estações de produção são desativadas. O empresário teme não ter dinheiro para pagar todas as rescisões. Tem que agir.
O delegado sindical leva o problema a seu presidente, que leva para a federação, que leva para a central, que aciona sua bancada.
O pastor recebe os desempregados e fala para o bispo, que fala com o bispo deputado.
O padre avisa o bispo diocesano que aciona o cardeal.
O presidente da associação comercial e industrial do município alertas às instâncias superiores.
O gerente pede redução de metas para seus chefes. Assunto vai à presidência e dali para a FEBRABAN.
Cai a produção, despenca a arrecadação, o governo entra em dificuldades. A dívida da empresa já está maior do que o patrimônio da fábrica. Torna-se impagável.
O governo, já pressionado pelas bancadas e demais entidades representativas de patrões e empregados, vê que aquele passivo é, politicamente, incobrável.
O funcionário olha para além do Eixo Monumental e vê como estão Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul. Também logo ali no Buriti os funcionários do DF petrificados nem correm nem ficam, vendo o bicho chegar.
Nos ministérios, os tecnocratas apuram os números das dívidas e levam um pacote para o Palácio. Não é muito, são 13 bilhões num déficit demais de 150 bi. Mas ajuda.
Nos gabinetes do Planalto políticos e assessores medem o rombo. O presidente olha para o passado para ver como seus antecessores resolveram crises deste tipo. Algumas vêm à memória: no pós-guerra, na virada dos anos 10 para os 20 o Banco do Brasil executou devedores inadimplentes, tomando terras, plantações e rebanhos, gerando uma multidão de novos “pobres nascidos em berço de ouro”, como se dizia naqueles tempos. Não deu certo.
Logo depois da Revolução de 30, Getúlio Vargas comprou a superprodução de café e mandou queimar os grãos no litoral, à vista de todos.
Nos anos 50, houve a moratória do trigo; nos anos 70 instituiu-se o Hospital de Empresas. Sem falar no BNH que pagou a conta da casa própria da nova classe média urbana.
Com o número à mão, o governo manda a bomba para o parlamento. Não há clima para perdões e moratórias. A cobrança ameaça o patrimônio e a própria existência de milhares de médios e pequenos negócios que, não obstante as dificuldades do momento, ainda empregam milhões de homens e mulheres.
Esta semana o presidente Michel Temer vai entrar em campo para discutir diretamente este e outros problemas que envolvem a arrecadação e o corte de despesas.
Serão dias difíceis. Um observado diz, com certo ceticismo: “a única solução é uma espécie de Plano Marshall”.