Tanto no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto no caso do presidente Michel Temer, os cenários apontam para tempos relativamente longos de sangramento até um desfecho. Tempos que os dois, cada um usando as suas armas, tratarão ainda de prolongar. Resta saber que saúde cada um deles terá para resistir à situação. E que saúde nós teremos também, porque isso significará a continuação – quando não o agravamento – da crise política em que nos encontramos.
Comecemos por Temer. Somente em agosto, na volta do recesso, o plenário da Câmara irá se debruçar sobre a autorização ao pedido feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de abertura de processo contra o presidente pelo crime de corrupção passiva. Primeiro, haverá o sangramento até o mês de julho, com o Palácio do Planalto tendo pesadelos crônicos quanto ao surgimento de novos acontecimentos. Como, por exemplo, um acordo de delação premiada do ex-presidente da Câmara e agora presidiário Eduardo Cunha.
Depois, há o sangramento político. Na sua estratégia de sobrevivência, Temer vai mudando o perfil da sua base de sustentação, como nos explicou Helena Chagas. Vai saindo o PSDB e vai entrando em seu lugar uma base mais heterogênea, com a qual se faz uma negociação mais no varejo, atendimento caso a caso. Uma base que, quanto mais complicada for ficando a situação, mais irá rodando na bandeira 2.
Mesmo com todo esse cenário, é provável que, quando chegar agosto, Temer consiga evitar no plenário a autorização para seu processo. Mas continuará sangrando. Novos pedidos de processo deverão vir. Fatos novos vão surgir de novas investigações. O processo de aproximação do Centrão poderá retirar de vez o PSDB da base do governo. E o PSDB poderá identificar seu discurso com vistas a 2018, se conseguir resolver seus profundos problemas existenciais e decidir de vez com quem irá como candidato. Temer seguirá pato manco. Até onde, impossível dizer.
Quanto a Lula. Na Justiça, terá de trabalhar no sentido de buscar fragilidades na condenação que lhe foi imposta pelo juiz Sergio Moro. Nos recursos que fará, os julgadores terão que fazer o que a grande maioria dos comentadores de Facebook não fez: lerá as mais de 200 páginas da sentença, além dos documentos que a embasam. Há um ponto no qual a defesa se centra: não há um documento que demonstre de forma cabal que seja de Lula a propriedade do triplex. Mas há uma série de documentos e outras situações que, somadas, gerem indícios. Se são suficientes ou não para uma conclusão, é o que se vai julgar.
Resumindo um pouco o que está no calhamaço de Moro. Marisa Silva, falecida mulher de Lula, adquirira na planta um apartamento menor no condomínio quando ele era tocado pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop). Em determinado momento, a cooperativa não conseguiu seguir com o empreendimento e ele foi transferido à OAS, empreiteira que tocava a obra. O dono da OAS, Leo Pinheiro, no acordo de delação premiada que fez, diz que a empreiteira resolveu trocar o apartamento original que Marisa vinha adquirindo pelo tal triplex, como pagamento de propina por conta de vantagens que a OAS obteria em contratos com a Petrobras. Ainda teriam sido feitas reformas no triplex, como a instalação de um elevador privativo e de uma cozinha.
O problema é que o triplex, formalmente, ficou no nome da OAS. Segundo a acusação do Ministério Público, a concessão do apartamento a Lula teria ocorrido “de maneira sub-reptícia”. Segundo escreve Moro, determinar a propriedade do triplex, “é a questão crucial neste processo”. Moro afirma ter tido elementos para estabelecer que o apartamento era presente da OAS para Lula. Já a defesa de Lula tratará agora de demonstrar que isso não aconteceu. Lembrando que quem tem que provar tal coisa é quem acusa.
Há aí uma série de situações concorrentes que Moro usa para fazer suas afirmações. Na busca e apreensão feita na casa de Lula, foi encontrado um termo de adesão e compromisso do triplex, mas sem assinatura. Lula insinua que tal documento poderia ter sido plantado na sua casa. Assinado, havia só o termo de adesão e compromisso do primeiro apartamento, mais barato. Mas se achou também um outro documento, este assinado por Marisa, no qual há uma rasura: por cima do número 174 , rasurou-se o número 141. Na transferência do empreendimento da Bancoop para a OAS, houve uma alteração na planta, e o prédio perdeu um andar. O apartamento que tinha originalmente o número 174 virou o triplex, com o número 164-A. Havia também no documento a palavra “TRiPLEX”, também rasurada. Moro escreve que não foi possível na perícia identificar quem rasurou e em que momento o documento foi rasurado.
Há ainda referências ao triplex em conversas na qual são discutidas a sua reforma e a reforma do sítio em Atibaia, que também se acusa ser de Lula. As duas reformas são apelidadas em mensagem como “1º Zeca Pagodinho” e “2º Zeca Pagodinho”. Menciona-se ainda uma reportagem publicada pelo jornal O Globo em 2010 sobre os problemas da Bancoop, cujo título é: “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado”. Ou seja, muito antes de qualquer acusação contra o ex-presidente, a reportagem já dizia que ele teria um triplex no apartamento no Guarujá.
Se a soma desses elementos é suficiente para indicar que Lula é o proprietário oculto do triplex, é o que a Justiça irá determinar. Até lá, vai Lula sangrando também. E usando as suas armas. No caso, a capacidade que ele e o PT imaginam ter de mobilização popular. Bem diferente do PMDB, é nas ruas que Lula e o PT tentarão fazer o seu jogo. Da mesma forma, novas investigações, novas acusações, novos processos, também irão fustigá-lo.
Lula prossegue? Até quando? A ponto de ser capaz de manter sua candidatura à Presidência em 2018? A ponto de seguir liderando nas pesquisas? A ponto de reverter sua taxa de rejeição? A ponto de conseguir se eleger presidente? A ponto de conseguir assumir e exercer seu mandato?
A única coisa que se pode dizer com segurança sobre um e outro caso é que nada do que aconteça ocorrerá de forma pacífica. Quanto a nós, os demais brasileiros, seguiremos em crise…