Pela manhã, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, num discurso emocionado, disse que a Suprema Corte não vai ignorar o “clamor por Justiça” da sociedade brasileira. Algumas horas depois, o ministro Marco Aurélio Mello derrubou a decisão anterior do ministro Edson Fachin de manter afastado o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e devolveu a ele o seu mandato.
Aparentemente, não parecia ser no sentido de devolver Aécio Neves ao Senado que se desenvolvia o “clamor por Justiça” da sociedade. As duas manifestações no mesmo dia dão o resumo destes nossos dias, nervosos e complicados. Afirmar que o Judiciário não vai ignorar o “clamor por Justiça” é admitir que ele não tem como deixar de se pautar pela agenda política da sociedade. Ao mesmo tempo, espera-se de um juiz que ele consiga ser o mais equilibrado e equidistante possível no seu julgamento, o que, ao extremo, deveria levá-lo a uma condição de ser mais técnico e menos político. Mas também: se for para ser mais político, qual “clamor” ele deve ouvir? Ou fica legítimo agir na Corte mais como advogado daqueles por quem nutre simpatia?
É incrível como os nossos tempos parecem estar integralmente descritos no famoso artigo que o juiz Sergio Moro escreveu há mais de dez anos sobre a Operação Mãos Limpas na Itália. Ali, já estava esboçado tudo o que Moro faria assim que tivesse uma Mãos Limpas para chamar de sua. E uma das coisas ditas ali pelo juiz é que a conjugação de um Executivo questionado na sua moralidade com um Legislativo enfraquecido pelos mesmos motivos dava a um Judiciário preservado de tal imagem a chance de promover o saneamento necessário à política brasileira.
De fato, ao longo do tempo, dentro e fora da Lava-Jato, o Judiciário e as instituições ligadas à investigação dos nossos desvios políticos – Ministério Público e Polícia Federal – foram se tornando superlativos. Para o bem e para o mal. Ganharam autonomia e independência. Mas, elevados aos holofotes, também se viram mais expostos ao pecado da vaidade. E o belzebu interpretado por Al Pacino em “O Advogado do Diabo” já dizia: “A vaidade é meu pecado favorito”.
As mudanças no perfil do STF desde que ganhou os holofotes são visíveis. Com suas sessões transmitidas ao vivo pela TV Justiça e os votos dos ministros reproduzidos nos noticiários nacionais de todas as emissoras, os ministros se tornaram mais prolixos. E menos educados. Dispostos a ganhar destaque pela convicção e erudição que demonstram, não raras vezes somente agridem os colegas. O que supõem ser um lindo duelo intelectual no qual massacram seus adversários com belas estocadas da sua esgrima verbal não passa muitas vezes mesmo de mera falta de modos, por mais empolados que sejam os adjetivos usados nos seus xingamentos.
O mesmo sentimento prossegue descendo a linha do Judiciário. Nos demais tribunais. Nas demais cortes e juízes. Ou no Ministério Público. Na força-tarefa da Lava-Jato. O risco crônico do sentido de Justiça se transformar em mera vaidade. O risco crônico da defesa política suplantar o rigor técnico. O risco crônico de certos “clamores” particulares suplantarem o “clamor” da sociedade.
No FlaXFlu atual, fica sempre o desafio de se demonstrar que a Lava-Jato não é mera ação para apear determinado partido ou grupo político do poder, mas uma investigação sobre as relações entre financiadores e financiados na política brasileira. Que atinge indiscriminadamente a todos os financiadores e a todos os financiados.
Se as conversas e imagens que fustigam o presidente Michel Temer não são nada republicanas também não são nada republicanas as conversas e imagens que fustigam Aécio Neves. Provavelmente, o clamor da sociedade vai no sentido de esperar que elas, surgidas no mesmo momento e tendo como origem o mesmo delator, mereçam da Justiça o mesmo tratamento. No dia em que se emocionou, a ministra Carmem Lúcia saiu de férias com a tarefa de provar que é isso o que acontece quando o Judiciário voltar do seu recesso…