Nestes tempos surrealistas em que estamos vivendo, os dois lados na disputa política embalam a seu modo o mesmo discurso, que é sacado ao gosto de cada freguês. O que o presidente Michel Temer disse à revista IstoÉ, na entrevista publicada na edição desta semana, é, extraído o seu conteúdo, praticamente o mesmo que diziam e dizem a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o PT a respeito das denúncias que foram surgindo ao longo do tempo contra eles. Muda apenas o formato, a embalagem.
Durante os últimos tempos, nos acostumamos em ouvir dos petistas o discurso de que tudo o que se denunciou foi uma trama urdida por alguns setores do Judiciário, do Ministério Público e da imprensa para apear o partido do poder. E o que diz agora, então, o presidente Michel Temer na entrevista à IstoÉ? “É interessante como há uma conjunção de urdidura. Houve um esquema preparado para chegar a isso e de que maneira? Do tipo: traga alguém graúdo para poder valer a delação. Então, o sujeito sai de gravadorzinho na mão procurando quem é que ele vai gravar e depois há todo um processo. Você veja: há um inquérito, que não se quer inquirir, em que se quer fazer a denúncia a denúncia independentemente do inquérito, com prazos muito exíguos, como 24 horas para apresentar os quesitos para a perícia, isso num sábado a partir das 20h para vigorar até domingo, às 20h, fora do expediente forense. Então, eu olho isso e tenho o direito de supor que seja uma tentativa de derrubar governo”.
Traduzido do coxinhês para o mortadelês, o que a frase acima quer dizer? “É golpe!”. Ou, na mesma linha em mortadelês, temos a declaração de Lula no 6º Congresso do PT: “Eu já provei minha inocência. Agora, vou exigir que eles provem minha culpa, porque cada mentira contada será desmontada”, que é seguida mais adiante por: “Então, é o seguinte: chegou o momento de parar com a palhaçada neste país. Este país não comporta mais viver nessa situação de achincalhamento, e o Partido dos Trabalhadores tem de dar uma resposta clara para a sociedade”.
“Urdidura” está na frase de Temer num contexto diferente de “golpe” no discurso do PT? Quando Temer fala na busca de alguém “com um gravadorzinho” para armar uma denúncia contra ele, está falando algo muito diferente de Lula quando diz que “vai exigir” que provem a culpa dele? A ilegitimidade presumida do impeachment de Dilma é diferente do direito que Temer agora diz ter de “supor” que haja “uma tentativa de derrubar governo”?
Depois da jabuticaba, o Brasil vai ficando bamba também na indignação seletiva…