Não é de hoje que a crise política brasileira se desenrola como se fosse um automóvel que alguém deixou desengatado no alto de uma ladeira. É como se o carro tivesse sido estacionado no alto do morro, e o motorista tivesse esquecido de puxar o freio de mão. Então, alguém encostasse por trás no para-choque e desse um empurrão no carro que, então, seguisse sem rumo nem condutor ladeira abaixo. Se alguém quiser colocar o juiz Sergio Moro como o dono do empurrão no automóvel, é uma possibilidade. Mas a verdade é que a crise vem descontrolada desde muito antes. Desde o mensalão, quem quer que tenha tentado estabelecer roteiros para contornar e controlar a crise vem quebrando solenemente a cara.
A troca de Osmar Serraglio por Torquato Jardim no Ministério da Justiça é mais um desses lances em que a crise insistiu desobedecer o roteiro. O presidente Michel Temer pensou em fazer ali um Roque, aquele movimento do xadrez em que o jogador troca de lugar a Torre com o Bispo. Temer ia tirar Torquato Jardim do Ministério da Transparência e colocá-lo na Justiça. Em troca, ia botar Serraglio no lugar de Torquato Jardim na Transparência.
Em tese, perfeito. Serraglio vinha tendo uma atuação considerada tímida no Ministério da Justiça. No caso específico da Operação Lava-Jato, diga-se em sua defesa que ele não conseguia segurar as investigações, da mesma forma como não conseguiram seus antecessores, seja no governo Temer, seja no governo Dilma, seja no governo Lula. A Polícia Federal ganhou ao longo do tempo uma força institucional que até o momento vem conseguindo blindá-la de maiores ingerências políticas nas suas investigações, apesar da grita dos poderosos. Torquato Jardim é a opção de Temer de colocar ali alguém de pulso mais firme. Além de tudo, é seu amigo de longa data. E também jurista respeitado, com trânsito nos tribunais superiores, principalmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde foi ministro. É no TSE que se travará o próximo grande embate de Temer, com o julgamento da sua chapa com Dilma Rousseff nas últimas eleições presidenciais.
Mas Serraglio precisava continuar ministro, porque é na sua vaga de deputado federal que se encontra como suplente Rodrigo Rocha Loures. Se Osmar Serraglio deixa de ser ministro, volta a ser deputado federal. E Roucha Loures perde, assim, o foro especial. Cai nas garras, então, de Sergio Moro. Que pode resolver prendê-lo. E Rocha Loures pode, preso, resolver contar por que e em que circunstâncias recebeu uma mala forrada de dinheiro de Joesley Batista. Mas foi aí que, mais uma vez, a crise resolveu driblar o roteiro.
Osmar Serraglio não aceitou o Ministério da Transparência. Porque todo esse script acima foi concebido sem combinar com ele. Reassumindo seu mandato de deputado federal, Rocha Loures perde o foro privilegiado. O que fará o Planalto? Abrirá outra vaga, chamando outro deputado federal do PMDB do Paraná para o Ministério, de modo a que Loures, como suplente, permaneça deputado federal?
Um pouco mais abaixo o automóvel na ladeira, o dia terminou com o ministro Edson Fachin autorizando que a Polícia Federal procure o presidente Michel Temer para prestar depoimento. Na paralisação provocada pela crise, adiou-se para a semana que vem a votação da reforma trabalhista no Senado. Segue a crise. E o automóvel que desce a ladeira, tudo indica, não tem controle remoto…