Inspirado no espírito corporativo fascista da Carta Constitucional de 1937, Getúlio Vargas gerou ser ambíguo de identidade indefinida, metade pessoa jurídica de direito privado, a outra metade de direito público, que tenta sobreviver sob a Constituição de 1988. Refiro-me à estrutura sindical.
Até a Revolução de 1930 as organizações sindicais gozavam da liberdade assegurada pelo Decreto nº 1.637, de 5/1/1917, assinado pelo presidente Affonso Penna. Simples e objetivo, assegurava autonomia de organização e liberdade de filiação. Os tempos, porém, eram outros. O receio da influência exercida por imigrantes socialistas, comunistas e anarquistas, sobre trabalhadores brasileiros, fazia o governo intervir com violência nas primeiras associações profissionais.
Temor semelhante levou Getúlio Vargas a garrotear o direito de sindicalização. A fundamentação da Carta de 1937 revela o intuito de frear a infiltração comunista “que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente”. Fiel a esse objetivo, o artigo 138 condicionou a liberdade de associação profissional ou sindical à prévia censura do Estado, como condição necessária à representação da categoria profissional ou econômica perante empregadores e Estado, para celebrar contratos coletivos, impor contribuições e exercer funções delegadas do Poder Público.
A estrutura sindical regida pela Consolidação das Leis do Trabalho reproduziu as diretrizes do ordenamento constitucional. Quem a conhece não lhe pode negar a origem na Carta Del Lavoro, baixada em abril de 1927 por Benito Mussolini, o ditador imbecil que se aliou a Adolf Hitler para levar a Itália à carnificina da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A Assembleia Nacional Constituinte convocada em 1986, com o propósito de redemocratizar o Brasil, enfrentou grave desafio na esfera sindical. Libertava a estrutura sindical das raízes fascistas e, portanto, do Estado, ou cedia às pressões das confederações profissionais, patronais e das novas centrais? Ceder significava manter o modelo adotado na CLT. Foi o que sucedeu.
Admitiu, entretanto, incorporar ao texto da Lei Fundamental a regra da não intervenção adotada no mandato do presidente José Sarney (1985-1990). Como é sabido, a última intervenção, com cassação de mandatos de dirigentes, ocorreu em fevereiro de 1985 no Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçado de Franca, um mês antes da implantação da Nova República. A partir de 15 de março de 1985 nenhuma outra foi determinada pelo Ministro do Trabalho.
Ao criar a obrigatoriedade do registro no órgão competente, o art. 8º, I, da Constituição manteve, porém, o sindicalismo brasileiro atrelado ao governo. O Ministério do Trabalho passou a fazer uso da prerrogativa que lhe foi deferida pelo Supremo Tribunal Federal, com nítidos objetivos políticos.
Segundo o Código Civil, são pessoas jurídicas de direito público a União, os Estados, o Distrito Federal e Territórios; Municípios e autarquias, inclusive as associações públicas, e outras entidades de caráter público, criadas por lei. De conformidade com o Decreto-Lei nº 200/1967, também integram a administração pública indireta, ao lado das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.
Desde a Constituição de 1946, não se questiona a personalidade jurídica de direito privado das entidades sindicais. Na lição de Délio Maranhão, “Nos países totalitários é evidente a natureza de pessoa jurídica de direito público do sindicato. Integra o aparelho estatal de tipo corporativo. Mas num regime democrático, o caráter de pessoa de direito privado é uma decorrência do próprio princípio de liberdade sindical” (Direito do Trabalho, Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1996, pág. 253).
A elaboração de moderno estatuto sindical significa revogar o Título V da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata da Organização Sindical. Remendá-lo é impossível, como pretendem correntes reacionárias. Pessoas jurídicas de direito privado como o são, sindicatos, federações, confederações e centrais devem se constituir segundo as regras do Código Civil, adaptáveis a própria realidade. Assim acontece com os partidos políticos, inseridos no rol do artigo 44, ao lado das associações, sociedades e fundações, pela Lei nº 10.825, de 2003, juntamente com as organizações religiosas.
Como pessoas jurídicas de direito privado as entidades sindicais ficarão livres de nocivos vínculos com o Ministério do Trabalho, para decidir sobre a administração interna e determinar os meios de financiamento.
Vale lembrar que o anacrônico Quadro de Atividades e Profissões, obrigatoriamente usado para delimitar a representação das categorias econômicas e profissões, desapareceu com a Constituição de 1988, medida que tornou impossível definir os limites determinantes da unicidade.
– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de 100 Anos de Sindicalismo