O chefe é o algoritmo: as pessoas e o pandemônio da pandemia

Com o envelhecimento acelerado da população, a tendência é que as empresas tenham cada vez mais dificuldade de contratar jovens.

Gig Economy
Foto Orlando Brito

A gig economy tomou conta do mercado de trabalho. Uma tradução seria economia de bico, nossa velha conhecida dos profissionais que trabalham sozinhos, sem vínculo, tradicionalmente os eletricistas, bombeiros e engraxates, entre outros, mas agora todos digitalizados, inicialmente com smartphones, depois com plataformas, verdadeiros marketplaces de bico. Mas as plataformas jogaram nessa economia de bico aproximadamente 1,7 milhão de pessoas que trabalham com transporte de passageiros e entrega de mercadorias, seja Uber e sucedâneos, seja iFood e um mar de concorrentes.
Foi um movimento provocado pelo alto desemprego depois da crise de 2015 e multiplicado pela pandemia e seu ecommerce de tudo, inicialmente com as pessoas trancadas em casa pela covid e depois sem querer voltar mais para os escritórios.

E quais as consequências disso? Na volta ao novo normal, quando as empresas puderam retomar a produção industrial e os serviços que interagem com o público se liberaram das máscaras, cadê as pessoas para trabalhar? Restaurantes, hotéis e supermercados, têm mais dificuldades para contratar e experimentam alta rotatividade Há vagas, mas os pedreiros e outros do mesmo nível estão de moto por aí, normalmente arriscando a vida, mas faturando. Quem foi para Uber gostou da liberdade de horário e colocou o próprio carro para render. A renda média mensal vai a mais de R$ 2.000,00. O chefe é o algoritmo, o que suscita mil discussões sobre direitos trabalhistas, aqui e no mundo.

Cena de rua – Orlando Brito

Apesar do desemprego ainda alto no país, as empresas estão enfrentando dificuldades para preencher até mesmo vagas que demandam menor qualificação, que são geralmente as portas de entrada dos jovens no mercado de trabalho. É uma contradição que se aprofundou após a pandemia com a combinação de perda no aprendizado escolar, principalmente no ensino médio, e a menor chance de ganhar competências com experiências profissionais.

Para as vagas que exigem qualificação ficou uma defasagem com a perda do aprendizado de nível médio na pandemia e até uma postura de baixa dedicação ao trabalho, detectada por muitos empregadores, que tem a ver também com a perda de interação social e seu impacto nas soft skills hoje exigidas.

Técnicos em TI

Na área técnica, dos profissionais de TI – Tecnologia da Informação, a demanda da digitalização explosiva da pandemia turbinou salários e colocou esses profissionais na condição de exigir home-office, que as características do trabalho favorecem e lhes deu a possibilidade de trabalhar para outras cidades ou países sem sair de casa.
Até as funções de RH ficaram remotas: recebimento de currículos, videoentrevistas, onboarding ou treinamento.

E o que podem fazer as empresas? Automatizar o que der e treinar pessoal, muitas fazem isso com sucesso até pagando bolsas para uma quantidade maior do que precisam para poder escolher os melhores. Para isso tem que investir na marca para atrair os olhares dos interessados na possibilidade de ascensão e oferecer flexibilidade e benesses. Outra maneira é ir para dentro das universidades engajar estagiários na origem. Tem um lado bom nessa história porque diminuem as discriminações. Precisam de gente independentemente de gênero, raça, restrições físicas, tatuagens ou indumentárias. Os dress codes foram implodidos.

Aulas presenciais – Foto Marcos Santos/USP Imagens.

Faculdades, por outro lado, perderam alunos que não querem mais aulas presenciais e muitos não querem nem uma graduação longa. Cinco anos para se formar? Pra quê se o mercado já não dá tanta importância para canudo, dizem eles, e vão para o mercado se empregar ou virar empreendedores. Algumas faculdades se adaptaram para o ensino à distância com minicertificações paulatinas que já permitem colocação no mercado.
E o Brasil está entrando na fase de ônus demográfico. É uma situação oposta à da vantagem produtiva que o país tinha há até pouco tempo, em que um grande contingente de jovens caracterizava um bônus demográfico. Com o envelhecimento acelerado da população, a tendência é que as empresas tenham cada vez mais dificuldade de contratar jovens para posições de entrada. Estão faltando jovens.

Enfim, o pandemônio no mercado de trabalho não é só por causa da pandemia, só resta se adaptar.

– Evandro Milet é consultor, palestrante e articulista sobre tendências e estratégias para negócios inovadores. Artigo publicado também no ES360.

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