Estarrecido, o Brasil assistiu, no domingo, ao primeiro ataque simultâneo aos Três Poderes. Nossa História tem alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve qualquer movimento que se parecesse com a selvageria do bando de arruaceiros que atingiu agora o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.
A Assembleia Constituinte e Legislativa de 1823 foi fechada por militares a mando do Imperador na “Noite da Agonia”, no dia 12 de novembro. No 7 de abril de 1831 Dom Pedro abdicou em meio a grande agitação pelas ruas do Rio de Janeiro, mas embarca para o exílio sem qualquer palácio invadido. O Paço Imperial foi ocupado durante a Proclamação da República — aliás, sem a participação do Marechal Deodoro. O que o Presidente Deodoro fez foi mandar invadir, em 1891, a Câmara e o Senado. Na revolução de 1930 Getúlio recebeu pacificamente o Palácio do Catete, e, já ditador, resistiu ao ataque dos Integralistas contra o Palácio da Guanabara. A reação de Vargas foi dura, e vários dos oitenta homens que participaram do ataque foram depois fuzilados. A saída do ditador, em 1945, foi concertada com os militares e um avião da FAB o levou a São Borja. Durante o regime militar de 1964 uma tropa entrou no Congresso Nacional para retirar o Presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso, e os deputados que, com ele, resistiam à decretação de recesso em outubro de 1966.
Há alguns anos vândalos tentaram invadir, sem sucesso, o Congresso Nacional, mas os danos foram de vidraças quebradas durante sua contenção.
Nenhum desses episódios se compara com o que aconteceu neste triste 8 de janeiro. Para começar, as ameaças à democracia e aos Três Poderes vieram se adensando ao longo de meses, até culminar, depois das eleições, em inúmeros acampamentos de pretensos patriotas junto a quartéis por todo o País. Já por mais de uma vez esses grupos haviam tentado invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Sabia-se, assim, da gravidade da situação.
Espantosamente, o maior grupo se formou diante do Forte Apache — Forte Caxias —, Quartel-General do Exército Brasileiro. Dali saíam em excursões pela cidade, sempre criando mal-estar, até culminar, no dia da diplomação do novo Presidente da República, em grandes depredações no centro de Brasília, concentrando-se o ataque na sede da Polícia Federal. A impunidade dessas violências foi preocupante.
Com a posse do Presidente Lula os episódios pareciam superados. Com o aproximar-se do fim da primeira semana do novo governo, no entanto, começaram novamente as convocações cifradas na internet. Apesar dos avisos, as forças policiais do Governo do Distrito Federal e da União foram surpreendidas com a movimentação agigantada e violenta.
Infelizmente o que se viu foi a polícia escoltar os grupos numerosíssimos que se dirigiam à Praça dos Três Poderes. Em tese a praça estava vedada a manifestações, mas houve apenas uma ridícula linha de policiais no meio das vias asfaltadas, deixando a massa inundar o gramado até assaltar o Congresso Nacional e, depois, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Começou então a destruição: plenários, salões nobres, gabinetes, todos os símbolos do Estado.
Qual era o objetivo dos terroristas? A destruição pela destruição? Não faz sentido. A ideia era evidente e muitas vezes verbalizada: provocar a intervenção das Forças Armadas, em total contradição com suas funções constitucionais. Felizmente prevaleceu o compromisso assumido pelos militares com seu juramento de defender o País.
A reação do Estado tem que ser de absoluta serenidade, mas também de severidade. O Estado tem o monopólio da força, e deve exercê-lo. Os arruaceiros têm que ser levados à Justiça e sofrer as penas previstas na Lei. Os responsáveis, estimuladores e financiadores, têm que ser identificados e, da mesma forma, punidos.
Temos, também, que melhorar nossa legislação em relação aos discursos antidemocráticos. A liberdade de expressão deve ser plena, mas o Estado de Direito não pode permitir a apologia de sua destruição. Com a legislação correta, os terroristas não teriam chegado até as cenas tristemente inesquecíveis da destruição das sedes dos Três Poderes.
– José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileia de Letras