O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, terá pela frente o difícil desafio de controlar a inflação diante da intenção do presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, aumentar o gasto público além do teto estabelecido no orçamento de 2023.
A autorização de uma emenda constitucional elevando os recursos para o Auxílio Brasil e outras despesas resolve os problemas legais, mas deve dificultar o esforço atual de controle da inflação com as atuais taxas de juros.
É que mais dinheiro na economia com emissão de dívida pública diminui o potencial das atuais taxas de juros de reduzir os preços da economia. A expectativa alimentada pela autoridade monetária de iniciar neste semestre o processo de redução das taxas de juros mediante a adoção de uma âncora fiscal pelo ministério da Economia foi pro brejo. O próprio Lula disse com todas as letras que não quer saber de teto orçamentário e corte de gastos em detrimento da área social. O presidente propaga, na verdade, a teoria de décadas da economista Maria da Conceição Tavares, de que é possível fazer ajuste fiscal com crescimento econômico e distribuição de renda. Alguns dos seus alunos foram ministros no governo de Lula e Dilma e fracassaram ao colocar a teoria de pé.
Dois tucanos fora do ninho
Luiz Inácio Lula da Silva quer atender as promessas de campanha de ajuda à populações mais pobres e recursos para investimento, como foi feito no PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) na sua visão prática da vida como ela é.
O economistas André Lara Resende e Pérsio Arida, tucanos que ajudaram a criar o Plano Real, hoje são as grandes esperanças de Lula encontrar um jeito da economia crescer com estímulo de recursos públicos, acabar com a pobreza e garantir um equilíbrio nas contas públicas. Lara Resende anda defendendo algumas inovações nas teorias econômica sobre o a eficácia da taxa de juros para controlar a inflação e os efeitos de emissão de moeda digital sobre estoque da dívida pública. Neste último caso significa que não há problemas em emissão de um certo nível de dinheiro na economia sem lastro do Tesouro Nacional.
As taxas de juros seguram a inflação até certo nível dependendo de qual dos fatores que estão provocando aumento dos preços. Depende se é uma inflação de demanda, de oferta ou inflação inercial onde os preços são repassados em um processo de economia indexada.
Mais demanda ou menos oferta?
Caso seja de fato uma inflação de demanda a atual taxa de juros de 13,75% é efetiva, pois desestimula as pessoas de consumir. Se for inflação de oferta não faz diferença a taxa de juros, uma vez que a restrição de oferta como dos combustíveis não responde à taxa de juros. Por isso o petróleo é uma variável exógena. É um preço internacional. Um aumento do petróleo e seus derivados lá fora impacta toda a cadeia de consumo. Uma elevação das taxas de juros não elimina este efeito.
É fato que a inflação dos países europeus anda por volta de 8% ao ano. As taxas de juros para combater esta inflação esta por volta de 2%. Os juros não são tão elevados porque eles entendem ser um choque sazonal de oferta e a taxa de juros não resolve o problema. E juros altos diminuem o volume da economia e não resolve o problema da inflação. O mesmo critério é utilizado nos Estados Unidos onde uma inflação de 7% está sendo combatida com juros inferiores a 3%.
Antes do plano real, a inflação era alimentada por vários fatores. Um deles era que muitos preços da economia tinham correção monetária e um processo de indexação. A elevação das taxas de juros não resolve este problema de indexação. No Plano Real tiveram que indexar os preços à URV e depois criaram nova moeda sem correção monetária. A fixação do câmbio de paridade de R$ 1,00 por US$ 1,00 , possibilidade de abrir mercado para importação a fim de que a cotação dos produtos internos tivessem que acompanhar os preços externos. Não foi uma taxa de juros elevada que eliminou a inflação de demanda.
As taxas de juros do BC neste momento estão elevadas, mas não se sabe ao certo se a economia vive problema de inflação de demanda. Embora o desemprego esteja na casa de 8,9%, há 30 milhões de brasileiros passando fome e dependendo do Auxílio Brasil. Está claro que há inflação de oferta pelo impacto dos preços dos combustíveis e outros produtos. Há sinais claros de inflação inercial e movimentos de indexação de preços. Tudo leva a crer que a paralisação do setor produtivo com a Covid-19 a retomada da economia está sendo feita em novos arranjos, cujos impactos sobre os preços vem de inflação e medidas de combate que estão fora dos manuais de economia.
Gastos altos + inflação = aumento dos juros
O que é certo, como diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, é que o aumento do gasto público é um fator complicador a mais no combate à inflação. Mesmo que haja espaço para emissão de títulos públicos para cobrir despesas, há um limite de capacidade do Tesouro Nacional para honrar o pagamento de juros destes papéis que foram emitidos e foram comprados por pequenos, médios e grandes poupadores do Brasil e Exterior.
As inovações da equipe econômica de tucanos e petistas do governo de transição de Lula acabará tendo que passar pelo crivo do Banco Central. Roberto Campos Neto tem uma experiência significativa na condução da política monetária do BC, como a de reduzir para 2% as taxas de juros, a mais baixa na história do País, sem grandes efeitos sobre o crescimento da economia. Enfrentou a maior crise de liquidez do sistema financeiro provocada pela Covid-19 com relativo sucesso e elevou as taxas de juros para combater a inflação.
Esperava nos próximos dois anos que seu colega da Economia, Paulo Guedes, finalmente promovesse um ajuste fiscal nas contas públicas para contribuir com a redução mais rápida das taxas de juros. Os gastos vão aumentar. Será inevitável uma expansão dos agregados monetários, o que enfraquece os efeitos dos juros para conter qualquer das variáveis que alimentam a inflação. Há economistas que acreditam que um pouco mais de inflação não faz mal diante do esforço de retomada do crescimento da economia. A afirmação de que os mais pobres são os maiores prejudicados com aumento dos preços, no entanto, é uma verdade incontestável.