Brasil um pouco mais republicano

Plenário do Supremo Tribunal Federal

Formatada logo após uma ditadura militar, a Constituição de 1988 trouxe uma série de garantias que ao longo do tempo converteram-se em privilégios. Nesse contexto, o foro especial por prerrogativa de função, conhecido sob a sugestiva alcunha de “foro privilegiado” é uma das distorções mais visíveis dessas garantias. São quase 60 mil pessoas beneficiadas.

Pela regra, o STF é incumbido de julgar os casos relacionados a deputados, senadores, ministros de Estado e o presidente da República. Governadores e desembargadores têm seus processos levados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas, além dessas autoridades, vereadores, comandantes de polícias e bombeiros, titulares de empresas públicas, entre outros, também se beneficiam com o foro especial e são julgados diretamente na segunda instância em seus estados.

Com o decorrer da Operação Lava Jato, tornou-se evidente o quanto a presença do foro privilegiado dificulta a punição a criminosos. Enquanto na 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sergio Moro, um processo leva menos de dois anos para ser julgado, o STF demora quase oito anos, em média, para julgar um político com esse privilégio.

Não por acaso, nos últimos anos, houve um festival de investigados lutando a todos os custos para obter o foro privilegiado ou manter-se numa posição que lhe garantisse o benefício. Potenciais candidatos a senador e governador nas próximas eleições estão abdicando das candidaturas para disputarem uma cadeira na Câmara dos Deputados, que necessita de votação mais baixa para eleição.

Na quinta (3), em julgamento de Ação Penal 937, o plenário do STF decidiu restringir o foro privilegiado de Deputados Federais e Senadores para crimes cometidos apenas durante o mandato, que guardassem relação com a atividade parlamentar. Desta forma, vários inquéritos e ações penais dos legisladores serão remetidas para a primeira instância.

Em julgamentos velozes, como os que ocorrem em Curitiba e com a regra que permite prisão após a segunda instância, é possível vislumbrar uma pequena esperança contra o sentimento de impunidade reinante no país.

Entretanto, o alcance da decisão do STF foi pequeno, atingindo apenas 1% dos detentores de foro privilegiado. Espera-se, para se opor à decisão do Judiciário, que o Congresso aprove uma PEC mais ampla, delimitando ainda mais o alcance do foro privilegiado, inclusive para juízes e procuradores. Trata-se de um primeiro passo, para nos tornarmos um país mais republicano, no qual as leis garantam que os iguais sejam tratados como iguais.

Além disso, alguns passos são extremamente urgentes, como rever as regras para concessão de auxílio-moradia e outras verbas indenizatórias recebidas por integrantes do Judiciário, as quais resultam em remunerações acima do teto do servidor público, as facilidades para se aposentar cedo e com salário integral para aqueles que ingressaram no setor público antes de 2003 e os bilhões em subsídios e desonerações fiscais sem critérios e com baixíssimo retorno social.

Enfim, medidas que além de combater a impunidade, reduziriam o caráter concentrador de renda do nosso Estado.

*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho pelo DEP/UFSCar. E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com

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